Thalya 05/03/2023
Mia Couto: um artesão das palavras
Indescritível imergir nos poemas de Tradutor de Chuvas. Mia Couto, escritor moçambicano, consegue (des)escrever o indizível, o inominável, o mais obscuro e difícil dos sentimentos humanos. Ele dá vida às palavras, ou melhor, gera vida ao que não conseguimos dar nome.
Leio cada palavra como se me alimentasse e renascesse novamente — aliás, provavelmente, renascemos e morremos inúmeras vezes, não só uma, como achamos.
Talvez seja este o objetivo principal da poesia: alimentar os mais famintos, nos alimentar, nós que não compreendemos inteiramente a vida e que buscamos compreendê-la através da arte, das palavras, da comunicação e expressão do que sentimos e desejamos. A poesia relembra, guarda memórias, gera vida através das palavras.
São sessenta e cinco poemas repletos de memórias da infância, por isso, autobiográficos, contudo, que vão além dessa autobiografia, alcançando a ficção e a recriação da realidade, por meio das metáforas e analogias: mulheres e homens que constroem o mundo, o universo com as próprias mãos, sendo seres ilimitados e infinitos. Homens e mulheres que voam, tornam-se aves e, ainda que mortos, continuam vivos nos objetos, nas árvores, nas paredes, nos muros, nas lembranças e na própria existência eternizada nos filhos, parentes e irmãos. Então, mais do que uma obra poética, esta é uma experiência literária, existencial viva e eterna em nós. As palavras criam ecos e vivem em nós, deixam de ser apenas símbolos da fala e como a criatura de Frankenstein, transformam-se em vidas.
Esses são os resumos das ideias e ruminações que tenho sobre a leitura, muitas outras surgirão, por isso, me despeço por agora, embora eternamente permaneça a reflexão da reflexão do (re)nascimento que a literatura e a arte em geral possibilita.
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MEDOS
"Medo do amor
quando tudo é fome.
E onde tudo é tão pouco,
medo de a carícia
despertar insuspeitos infernos.
Medo de sermos
só eu e tu
a humanidade.
E morrermos
de tanta eternidade."