Matheus Fellipe 18/04/2016
Um relato verdadeiro, sem máscaras, exageros ou eufemismo
A prisão é um show de horrores. O circo não faz ideia do que está perdendo. Serei o seu mestre de cerimônias nesta visita guiada por esse cantinho do inferno. Prepare-se para ficar atordoado e perplexo. Se a mão é realmente mais rápida do que o olho, você nunca descobrirá o que o atingiu. Eu sei que nunca descobri. Pág. 17
Isso pode ser simples ou complicado, mas tente se colocar no lugar ou ao menos imaginar: você teve uma vida difícil desde sua infância, seus pais se separaram, a crise se abateu sobre a família, vocês tiveram que migrar para várias cidades afim de conseguir um lar, ou algo que pudesse aparentar um. O tempo foi passando, sua vida começa a se estabilizar (por mais que ainda esteja uma merda), mas agora você tem alguns poucos amigos na escola, na cidade, as pessoas estão um pouco mais suportáveis, você até começou a sair com alguém do sexo oposto. Você começa a criar uma personalidade, se adapta a um novo estilo de vida, mas esse estilo não agrada as pessoas conservadoras, que começam a te olhar de forma estranha.
Acontece um infortúnio, três garotos de oito anos são encontrados mortos na sua cidade, os moradores acreditam que eles foram vítimas de um ritual satânico. Elas começam a deduzir e inventar histórias, onde você e seus amigos são os responsáveis pelos homicídios, afinal vocês despertam curiosidade, se vestem de preto, ouvem músicas pesadas, já se envolveram em algumas encrencas e possuem hábitos diferentes da maioria.
A polícia começa a investigar, colher as pistas, ouvir depoimentos... o tempo está passando, a família e os moradores querem justiça e eles não têm nenhum culpado na lista. O que eles fazem? Dão ouvido as mentiras dos moradores e decidem que você e dois de seus amigos são culpados pelos assassinatos. Simples assim!
Já deu para ter uma ideia da intensidade da história? Isso foi apenas o prelúdio do que estaria por vir, uma síntese do que aconteceu na vida de Damien Echols até seus dezoito anos, quando em West Memphis, Arkansas, ele foi julgado e condenado a morte pelos três assassinatos. Seus amigos Jason Baldwin e Jessie Misskelley Jr. foram condenados à prisão perpétua. Daí eu me pergunto: existe justiça? Existe verdade? Como eles puderam se embasar em mentiras para culpar três inocentes? Eu realmente não consigo entender.
O sistema judiciário não tem a mentalidade de um homem são, embora se aproveite dele. Trata-se de uma cobra insana, de proporções gigantescas e enroscada em si mesma. É cruel e demente, e morde tudo o que consegue alcançar. Está tão emaranhada e embriagada que acabará estrangulando a si própria. Não há como transmitir sua loucura a alguém que não tenha tido contato com seu lento abraço. As pessoas que operam em seu âmbito se tornaram tão loucas quanto a própria cobra lunática, e justiça é um conceito desconhecido. Elas seguem procedimentos longos e sem sentido como se fosse uma religião. Nada as deixa mais indignadas do que uma ideia que faz sentido, e não há nada que elas combatam de maneira mais aguerrida. Não é de surpreender que haja tantas piadas sobre advogados. As coisas só estão piorando desde o tempo de Kafka. Não há como entendê-las. É um mundo desprovido de lógica. Págs. 240/41
O que já era ruim, passaria a ser pior. A sua vida difícil de antes se tornaria uma mera figurante se comparada ao inferno que seria protagonizado por ele nos próximos 18 anos.
A vida no corredor da morte não é nada fácil, e Echols nos revela aos detalhes as atrocidades e a sordidez do cárcere. Viver em uma cela isolada, longe de tudo e de todos, em meio as baratas e a escória do mundo (os verdadeiros criminosos), tendo que ser submetido ao abuso de poder de guardas desumanos, e ainda por cima ter que lutar contra seus medos para não perder a sanidade.
[...]Não há motivo para rir quando se precisa lutar contra as baratas para ver quem vai ficar com o cereal no café da manhã. Pág. 42
Sem ter para onde correr, Damien Echols só teve uma escolha, aprender a conviver com o tiquetaquear incessante do tempo, e se adaptar aos poucos àquele lugar que seria seu lar. Com inteligência, determinação e fé, ele conseguiu usar o tempo para crescer, tanto intelectual quanto espiritualmente. Passava horas meditando, escrevendo, lendo livros e estudando os mais diversos assuntos. Afinal seu futuro era um tanto incerto, eles lhe aplicariam a injeção letal ou, se desse sorte, seria inocentado.
Sempre adorei ler, mas, àquela altura, os livros haviam se tornado a única forma de esquecer o pesadelo que era minha vida. Eu me escondia neles e viajava até outro lugar durante horas a fio. Os outros rapazes ficavam impressionados com a quantidade de livros e a velocidade com que eu os lia. Na prisão, li alguns milhares de livros. Sem eles, teria enlouquecido há muito tempo. Págs. 245/46
Em 1996, com o documentário Paradise Lost: the Child Murders at Robin Hood Hills, seu caso ganhou repercussão mundial. Com isso, simpatizantes começaram a enviar cartas e dinheiro para ajudar no processo. Dentre eles, alguns famosos como o ator Johnny Depp, Eddie Vedder, vocalista do Pearl Jam, e o cineasta Peter Jackson, ajudaram com apoio moral e financeiro. Em 2011, o então conhecido Trio de West Memphis ganhou a liberdade.
Eu ainda era uma criança quando fui mandado para o Corredor da Morte. Tornei-me adulto, tanto física quanto mentalmente, neste buraco infernal. Vim parar nesta situação ainda ingênuo e com olhos arregalados. Agora, vejo a maioria das coisas e pessoas com desconfiança e olhos semicerrados. Aprendi na marra que o mundo não é meu amigo. Achava que quase toda a raça humana queria que eu tivesse uma morte lenta e dolorosa até que um milagre ocorreu. Parece que minhas esperanças de receber uma intervenção divina não foram de todo ignoradas. Págs. 327/28
Em meio a toda essa escuridão, surgiu uma luz no fim do túnel. Essa luz, chamada Lorri Davis, veio ao seu encontro através de uma carta. Echols começou a se corresponder com ela, eles se conheceram e, com o decorrer do tempo, eles se casaram numa cerimônia simples dentro da prisão e estão juntos desde então. O amor que ele nutre por ela é evidente em tudo que fala a seu respeito.
[...] Por mais nobre que seja o esforço, uma só pessoa não pode acabar com toda esta escuridão. [...]Uma vela não pode iluminar todo o universo, e não há muitas pessoas interessadas em fazer esse trabalho. Pág. 74
Em Vida Após a Morte, conhecemos Damien Echols por ele mesmo. Num relato verdadeiro, sem máscaras, exageros ou eufemismo. Seu passado conturbado é um fantasma que surge a todo instante na narrativa, ora trazendo boas lembranças, ora relembrando pesadelos. Ele consegue evocar os sentimentos do leitor por meio de seu talento narrativo. Eu não estaria mentindo se dissesse que é a melhor autobiografia que já li até hoje. Recomendo o livro a todos, sem exceção e, classifico o livro em 5 estrelas.
site: http://leitornoturno.blogspot.com.br/2016/04/resenha-vida-apos-morte-damien-echols.html