Ronaldo.Ruiz 12/05/2020
Recomendadíssimo
A minha cidade de Birigui – capital nacional do calçado infantil – não é grande, mas com certeza não é menor do que Boca Larga – lar do maior robalo do mundo – onde se passa a história de “O Ninguém”, uma HQ de um dos maiores artistas e roteiristas do momento, o canadense Jeff Lemire.
Fico pensando que a chegada de um sujeito nunca visto antes por estas bandas, com o corpo todo coberto de bandagens e usando um par de óculos escuros, provocaria bastante comentários entre os mais de 120 mil habitantes de Birigui.
Agora, imagine só o barulho que esse fato pode causar em uma cidadezinha de apenas 754 habitantes, como Boca Larga, onde praticamente nada de novo acontece?
O nome do forasteiro é John Griffen. Ele passa praticamente o tempo todo recluso em um quarto alugado. Na solidão desse cômodo, ao retirar as bandagens em uma sequência magistral, o leitor descobre que ele é invisível.
Porém, esse não é o único segredo que Griffen quer guardar se isolando em Boca Larga. Mas nada de spoilers…
Uma adolescente chamada Vickie se aproxima do novo morador para descobrir a verdade que se esconde por trás daquelas faixas.
No entanto, quando os pacatos habitantes de Boca Larga suspeitam que um crime foi cometido na cidade, iniciam uma verdadeira caça ao estranho, mesmo sem provas concretas contra ele.
Aliás, nem que se tivessem provas contra Griffen, que não é nenhum santo, eles poderiam fazer justiça com as próprias mãos, como se fossem o juri, o juiz e o executor, tipo um Juiz Dredd da vida.
H. G. WELLS
“O Ninguém” é uma releitura do romance de ficção científica “O Homem Invisível” de H. G. Wells para os dias de hoje. A graphic novel mostra como o ser humano pode cometer as piores injustiças quando se reúne em turba para perseguir pessoas que classificam como “estranhas” e/ou que consideram a razão de todos os seus problemas.
De Jeff Lemire, eu já tinha lido “Nada a Perder”, que é uma graphic novel muito boa também. Porém, acredito que “O Ninguém” seja um trabalho superior.
Quem quiser aprender como narrar uma história em quadrinhos tem nesta obra um verdadeiro manual.
O autor sabe aplicar um tom melancólico à cidade por meio de sequências silenciosas, com muitas imagens de neve e uma sensação de frio obtida pela mistura das cores azul, preta e branca. Seus desenhos parecem simples, mas não se engane. Eles são muito complexos e carregam bastante expressividade.
Gostei muito da técnica usada por Lemire que consiste nos recordatórios contarem uma história narrada por Vickie, que vai se passar em nossa imaginação, enquanto os quadros mostram outras cenas.
É preciso ressaltar que a editora Pipoca e Nanquim fez uma edição primorosa. O posfácio de Alexandre Callari fecha a obra com chave de ouro.
Recomendadíssimo.
site: https://marcenarialiteraria.art.blog/2020/05/11/resenha-2-o-ninguem-de-jeff-lemire/