O Amor é um Lugar Comum

O Amor é um Lugar Comum Paulo Nogueira




Resenhas - O Amor é um Lugar Comum


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Jacqueline 08/10/2014

De como o amor não tem nada a vem com felicidade
Alternando capítulos narrados em primeira pessoa, com capítulos narrados em 3ª, o livro começa com a apresentação do protagonista Bernardo por si mesmo - é um escritor insone em busca de sua afirmação na carreira, recém-separado e apaixonado por Lívia, mulher que conhece no desempenho do seu ofício diário de pai, que inclui buscar a filha Francisca na escola, e que possui três amigos bastante idiossincráticos entre si: Afonso, um médico católico, alcoólico que vive na África, Diana, editora de livros de autoajuda, por oportunidade e não por opção, e Eugênio, arquiteto famoso e sedutor inveterado. Em comum, o fato de que todos, de alguma forma, estão se havendo com as dores do amor (ou com a falta dele).
A narrativa não consegue manter um bom ritmo o tempo todo: algumas quebras e intercalações acabam por demorar demasiadamente e, quando algo é retomado, parece não se encaixar bem e os desdobramentos ou esclarecimentos nem sempre convencem. As personagens também parecem terminar a história da mesma forma como começam. Várias coisas lhes acontecem, mas quase nenhuma lhes toca verdadeiramente. Mesmo Bernardo, que tematiza tanto sobre o amor, não parece afetado pelos fatos vividos no sentido de mudar seu jeito de lidar com o afeto ou de pensar sobre ele.
Apesar disso, o livro tem boas passagens e ideias geniais. Duas delas merecem destaque: The Crying Bar, um lugar onde se paga para chorar à vontade não se trata de um lugar para afogar as mágoas, mas para as drenar e escoar. Se necessário, os funcionários podem dar um empurrãozinho e oferecer gás de pimenta, cebola ou alho. Quem de nós já não cansou de chorar em casa e quis fazê-lo na rua, mas ficou constrangido com isso?
A segunda boa ideia (difícil saber se nos dias atuais só tem existência na ficção) é o anúncio da Namorada Imaginária: o cliente escolhe foto, diz a forma como se conheceram e fornece outras informações que julga importante. Depois começa a receber mensagens. A relação dura o tempo contratado e, quando esse termina, a ex-Namorada Imaginária manda, nem mais nem menos, três mensagens suplicando a volta do cliente. Já imaginou um final de relação que não ameace nosso amor próprio nem nos faça ter que lidar com a rejeição? Eugênio percebe muito bem o que isso quer dizer: Nunca mais iria ser infeliz. Nunca mais iria ser feliz. Parecia justo. Será?
A meia idade das personagens aparece em falas que dão a dimensão de como o tempo passou (e de como passaram esse tempo):
Na juventude, nós aprendemos e, na maturidade, compreendemos.
Com a idade aprendemos a deixar de querer ter razão, por nos convencermos o quanto isso pode nos custar.
Agora que eu tinha uma ou outra resposta, mudaram todas as perguntas. (é bem isso mesmo!)
A idade também aparece nas perdas vividas separações, experimentadas por todos e a morte dos pais:
Uma fala aparentemente redentora da mãe de Bernardo acentua o peso dessa perda:
Já em criança você se comportou como se o meu amor dependesse das coisas que podia fazer por mim, para mim. Não era verdade, nunca foi, e você tem que entender isso. Você nunca precisou fazer nada para que eu o amasse exceto nascer. E, no entanto, meu filho, você fez tudo que era humanamente possível, menos conceder a si mesmo paz de espírito. Dê-me este último presente, por favor, dando-o a você.
Ainda que na realidade não haja esse amor incondicional, que mães possam verdadeiramente não amar (tanto) seus filhos, possam preferir um a outro, esse é um imaginário que nos atravessa e que se faz presente nas nossas relações. Bernardo se dá conta disso com muita clareza:
Quando perdemos alguém muito próximo, nossa identidade deixa-se empalidecer, precisando de comprovação e prova [Bela imagem!]. Sobretudo se este alguém for a pessoa que nos deu à luz. Agora estava por minha conta. Nunca mais alguém mais morreu por mim.
Enfim, o livro fala sobre essa obrigatoriedade do amor. Somos fadados à infelicidade, a incompletude, ao desprezo, ao infortúnio, ao abandono, a sermos tratados como coitados, quase que como raça inferior se não temos um amor. E isso não tem nada a ver com felicidade ou com a pessoa, sujeito/objeto do nosso sentimento [amar pode ser verbo intransitivo], como bem percebe Bernardo, que, não por coincidência, durante todo a história está escrevendo um livro sobre a felicidade:
Consegui viver sem felicidade, mas não sem amor.
Estava enfeitiçado mesmo [por ela] ou, se, como muitas vezes acontece comigo, estava caidinho mas era pelo próprio amor?
Quantas vezes ficamos infelizes ao lado de alguém, sem nos darmos conta disso, só para termos (ou por que temos) esse lugar preenchido? Quantas vezes projetamos no outro tudo o que julgamos ser razões ou motivações para amá-lo, ainda que ele se mostre muito distante disso (nesse caso, nosso amigos costumam nos confrontar com isso, pena que tardiamente)?
Se, por um lado, isso pode nos libertar para sermos felizes (com todas as limitações que, como sabemos, circunscrevem esse estado) sem necessariamente termos um amor, reacende, paradoxalmente, uma vontade de que nos aconteça verdadeiramente o amor, com transitividade marcada, projetiva sim (como não poderia deixar de ser), mas não alienada. Mas isso pode ou não nos acontecer ao longo de uma vida e não depende propriamente ou inteiramente de nossas ações ou de nossas buscas (em geral guiadas pela ditadura do amor), o que pode ser um alívio!
E, se isso (esse tal amor verdadeiro) nos acontecer, é bom que estejamos livres daquele imaginário incondicional e eterno do amor materno, pois:
Só quando aceitamos a transitoriedade do amor (como a da própria vida) podemos por fim desfrutá-lo em paz, sem planos para o futuro nem ressentimentos do passado.
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