Samara @o_gato_leitor 04/10/2019Leitura muito importante!Resenha Abril Vermelho
Livro: Abril Vermelho/ Autor: Santiago Roncagliolo/ Editora @editora_alfaguara .
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Uma das impressões mais fortes que esse livro me causou tem relação com o ser latino-americano. Uma história que se passa no Peru do ano 2000, às vésperas da (questionável) eleição que daria a Alberto Fujimori seu terceiro mandato como presidente do país. Abril Vermelho narra uma série de assassinatos que levarão o promotor Félix Chalcatana, recém chegado a Ayacucho (nosso cenário, fortemente relacionado às origens do Sendero Luminoso), ao limite da sanidade: desde a subversão dos valores morais e éticos, a qual rege a política e militarismo na região, até a violência praticada (que não está só nos assassinatos, mas também na relação com a população quíchua), nosso protagonista vê seus valores e crenças afrontados diretamente. Chalcatita acaba pouco a pouco preso a uma investigação cujos principais suspeitos são terroristas ligados ao Sendero Luminoso, mas a burocracia e a falta de vontade dos demais funcionários (excessivamente preocupados com a própria ascensão) o apresentam a uma dinâmica de interesses e cinismo que o corroem internamente. Não demora muito para que, diante do gosto do poder, ele se assemelhe aos colegas de trabalho .
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A despeito de toda a dinâmica do thriller, que se perde em alguns momentos de narrativa mais lenta, existem camadas na composição do romance. Me pega muito a denúncia no que diz respeito às ações militares, o autoritarismo e a violência que imperam no país. E é isso que eu quero dizer com o ser latino-americano. Impossível ser brasileiro e não se enxergar na narrativa: a lentidão das instituições, o jogo de interesse político, a sensação de impotência diante dos abusos, a perspectiva da população como um bando de idiotas que podem ser facilmente manipulados (tudo que acontece sempre fica afastado da opinião pública). No Peru, essa vivência fica subjetivamente ainda mais intensa diante da existência de uma guerra histórica: o enfrentamento de grupos militares de paramilitares (como o Sendero Luminoso), que dizimou milhares de pessoas na década de 80 e cujo fantasma convive diariamente com a população .
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Outra denúncia salta aos olhos reside no sofrimento das populações mais vulneráveis. O massacre da população quíchua (física, cultural e politicamente) é múltiplo e intenso. E não importa de quem sejam as ações: militares ou terroristas (que se confundem em suas motivações e táticas de guerra), sempre as maiores vítimas são os grupos mais pobres e socialmente menos inseridos. Tal relação é personificado na personagem Edith, moça jovem e ingênua que paga o preço de uma guerra que não escolheu para si .
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Um livro interessante, que aborda temas importantes e traz um panorama cultural extremamente rico do Peru. A escolha do gênero thriller faz uma leitura mais leve e dinâmica. Recomendação fortíssima de um livro excelente e pouco falado no Brasil!