Elder F, 16/05/2013
Exército Turco, Nazismo, Grécia, Ditadura e Século XX
Um eventual incêndio engole a cidade de Tessalônica na Grécia de 1917. No momento em que o fogo devasta a cidade multicultural onde diferentes religiões convivem, nasce, na casa da aristocrática família Komminos, Dimitri, filho do bem sucedido mercador de tecidos Konstantinos Komminos. Cinco anos mais tarde, na Ásia Menor, o exército turco destrói a casa da pequena Katerina Saraflogou, levando milhares a atravessarem o Mar Egeu em direção à Grécia. No momento da evasão, porém, Katerina separa-se da mãe, que embarca sem a filha destino à Atenas, enquanto a menina embarca rumo à Tessalônica, onde sua vida se entrelaçará com a de Dimitri Komminos.
É difícil terminar a leitura do parágrafo anterior e não imaginar uma história trágica onde os personagens principais são vítimas do próprio destino e batalham veementes contra as intempéries da vida para que possam um dia consumar o amor. Acontece, porém, que o livro vai além do que a descrição do parágrafo anterior poderia relatar. O Fio, da escritora britânica Victoria Hislop, caminha na história da Grécia do século XX com uma narrativa dramática que, ao mesmo tempo em que conta a saga de duas famílias diferentes, expõe os fatos históricos com uma perícia determinada.
Victoria Hislop já adquiriu fama entre os críticos por escrever novelas que contam sagas de famílias ao longo de várias gerações, mas sempre com sua tragédia ou romance encaixados em algum contexto histórico. No seu primeiro romance, A Ilha, o pano de fundo foi a Segunda Guerra Mundial e uma colônia de leprosos em uma ilha grega. No segundo romance, O retorno, o segundo plano foram os horrores da guerra civil espanhola. Em O Fio, a autora volta para a Grécia, especificamente para sua segunda maior cidade, Tessalônica.
A história começa nos dias de hoje e a narrativa leva o leitor de volta no tempo para 1917, onde o drama se desenrola através dos anos. Os personagens centrais são Dimitri, filho de um cruel comerciante de tecidos, e Katerina, uma refugiada com talento ímpar na arte da costura que se perdeu da mãe no caos da guerra e acabou parando na Tessalônica com uma estranha e suas filhas gêmeas. Os acontecimentos históricos que sustentam a narrativa, diferente dos outros livros, não são alguns poucos, mas sim outros muitos.
O início é um pouco morno, extenuante em alguns momentos, e cobre o final da Primeira Guerra Mundial. O clima não poderia ser outro além de resignação, sentimento de perda e de enfado constante por aquele mundo destruído lutando para se reerguer. Nas cidades, aos poucos o comércio retorna as suas atividades e as empresas retomam os seu trabalhos. Os sindicatos surgem e o aparecimento das greves é imediato. Uma forma de comunismo vai se desenvolvendo na Grécia. O livro passa ainda pela Segunda Guerra Mundial e as atrocidades nazistas, caminhando logo após pela ditadura que levou à Guerra Civil na Grécia entre 1946 a 1949, envolvendo as forças armadas do governo monárquico grego e o Partido Comunista da Grécia.
Os personagens foram todos habilmente desenvolvidos para que se encaixassem em cada momento histórico por onde passou a narrativa da autora. Dimitri é um jovem idealista, constantemente envolvido em questões políticas e sociais. Por outro lado, seu pai, Konstantinos, é um sujeito indiferente a família e preocupadíssimo com as vendas e lucros de sua firma. Olga, mãe de Dimitri, é uma figura serena que, no entanto, vive escrava de seu próprio destino e das decisões que tomou durante a vida. Do outro canto da Tessalônica, na simples rua Irini, tem Katerina, uma jovem humilde, com um talento inigualável para a costura, que mora ao lado de seus bem queridos vizinhos judeus, entre eles Elias Moreno.
De fato uma aula de história sobre a Grécia do século XX, o livro sai do clima abatido e tímido das primeiras cem páginas e entra em uma narrativa acelerada e empolgante sobre as guerras e conflitos que marcaram a história da Grécia. No início, já imaginava pelo breve resumo da contra-capa que o livro seria, no mínimo, interessante, mas fiquei temeroso que em algum momento ele caísse nos piegas românticos ou que a autora se perdesse na densidade de tantas informações. No final, o que eu esperava que fosse uma leitura amena (acabei pensando que seria por causa dos primeiros capítulos), terminou como uma obra que agora julgo indispensável para amantes de ficção histórica.
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