caio.lobo. 25/10/2023
Essa guerra não é política e nem econômica, mas cultural.
Antes pensavam que a economia moldava o homem ou então que tudo é política, porém o mundo atual que nos é apresentado mostra outro agente poderoso como são economia e política: este agente é a cultura. Economia, política e cultura é um tripé estrutural básico que torna possível as ações humanas. A economia é a infraestrutura material que racionaliza os recursos, enquanto a cultura é o modo de ser e a identidade que dá sentido às coisas, enquanto a política faz a ponte entre estes dois. Economia, política e cultura equivalem respectivamente aos verbos ter, poder, ser. Entretanto o ?ser? foi esquecido por muito tempo na modernidade, e materialismo histórico colocou relações econômicas como estrutura essencial da história, enquanto que de outro lado a vontade de poder e tornava o monismo último. Mas os nacionalismos, a bandeiras nacionais, as identidades e idiossincrasias brotam em todos os lugares, não apenas na nossa fenomenologia e no existencialismo através do Dasein, mas culturas milenares passam a dizer ?não? ao predomínio ocidental. As identidades culturais, como ancestralidade, religião, língua e valores, ganham destaque sobre ideologias políticas e econômicas.
Mas o Ocidente não deixaria de querer ser universalista, e isso gera um conflito, mas este conflito não é de país contra país, pois o conceito de Estado-nação é moderno e até estranho para as culturas ditas não-ocidentais. Samuel P. Huntington demonstra que há algo que está além das fronteiras nacionais e isto é a civilização. Uma cultura civilizacional está além de fronteiras, como por exemplo, o islã que abarca diversos países. Para Huntington se pode dividir o mundo nos seguintes blocos civilizacionais:
- Civilização Ocidental: Europa Ocidental, América do Norte, Austrália e Nova Zelândia.
- Civilização Islâmica: Oriente Médio, Norte da África, Ásia Central e partes da Ásia Meridional.
- Civilização Hindu: Índia e partes da Ásia Meridional.
- Civilização Sino-Confuciana: China, Japão, Coréia e Vietnã.
- Civilização Japonesa: Japão.
- Civilização Eslavo-Ortodoxa: Rússia, Bielorrússia, Ucrânia e partes da Europa Oriental.
- Civilização Latino-Americana: América Latina.
- Civilização Africana: África Subsaariana.
As civilizações tendem a ter um núcleo, como a Civilização Sino-Confuciana tem como núcleo a China. Outras ainda não têm, mas há candidatos, como a Civilização Latino-Americana; se poderia dizer que é o Brasil pelo tamanho e economia, mas isso não basta, pois em questão de língua e cultura se diferencia dos outros países latinos; o México é outro candidato, mas está demasiado influenciado pelos EUA. A Civilização Islâmica não aparenta que tem um núcleo, pois Arábia, Turquia e Irã têm pesos semelhantes.
Num mundo cada vez mais multipolar conflitos culturais surgem, principalmente nas fronteiras civilizacionais. Confrontos frequentemente ocorrem entre culturas, muitas vezes seguindo as divisões entre civilizações, mais do que com base em diferenças ideológicas. As divisões entre "nós e eles" são comuns no mundo, como Oriente e Ocidente, Norte e Sul, e zonas de paz e agitação, e o Ocidente está em grande desvantagem nesse tipo de conflito, uma vez que seu histórico de colonização manchou muito sua reputação, e a insistência de universalizar valores causa tumulto às culturas que vêm o Ocidente como um estranho, no melhor das hipóteses, e na pior como uma civilização decadente e corrupta. A modernidade e economia também contribuíram para isso, pois as fronteiras dos Estados tornaram-se cada vez mais permeáveis devido ao fluxo de dinheiro, informações, tecnologia, bens e pessoas. E como o autor diz, o Ocidente conquistou o mundo historicamente não devido à superioridade de suas ideias ou religião, mas por sua capacidade de aplicar a violência organizada. O Ocidente gerou várias ideologias políticas, como o liberalismo, socialismo, fascismo, anarquismo, nazismo, comunismo, nacionalismo, estre outras, porém o Ocidente não gerou nenhuma grande religião (lembrando que o cristianismo surge no Oriente), enquanto as nações não-ocidentais geraram as grandes religiões milenares. E o desmoronamento de ideologias levou a um ressurgimento da religião, notável nos ex-Estados comunistas, como Rússia e Ásia Central.
Para provar que a questão cultural é essencial, basta pensar nas razões do único ataque que conseguiu ferir os EUA dentro de seu próprio continente e até mesmo em seu próprio coração econômico, que no casso foram os ataques de 11 de setembro de 2001. Não havia nenhuma motivação econômica e a política era secundária. Ali se viu a fragilidade americana, que advogava ser a polícia do mundo, demonstrando que segurança militar hoje depende mais da distribuição de poder dentro das regiões e das ações dos Estados-núcleos das civilizações do que das superpotências globais.
A Rússia era um país dividido por séculos e foi o Estado-núcleo de uma grande civilização, o que tornou sua redefinição de identidade complexa, e isso têm agora reflexos na guerra da Ucrânia, onde uma parte ucraniana se sente mais próxima do Ocidente, enquanto o leste ucraniano tem predomínio de cultura russa. Também foi um trauma muito grande a fragmentação da União Soviética, o que fez com que os russos se afirmassem como tal, o que gera o nacionalismo que há hoje (e que havia como gérmen no período imperial soviético). A Rússia teve muita influência Ocidental a partir do século XV, mas muito antes disse havia uma cultura autóctone, além de outros povos como os tártaros, muçulmanos, mongóis e siberianos que adentraram seu território. Não se pode esquecer que o próprio território russo está entre Ocidente e Oriente. Então pelo seu histórico, fez com que as novas tentativas de incorporar elementos da cultura ocidental em sua sociedade falhassem.
Outro ponto eu o autor cutuca é o declínio ocidental e as causas disso. O Ocidente enfrenta desafios morais, incluindo comportamento anti-social, decadência familiar, declínio de capital social e ética de trabalho, além de uma diminuição no empenho pelo aprendizado e o aumento no usos de drogas. A religiosidade na Europa diminui, mas os valores e práticas cristãs ainda permeiam a civilização europeia.
O livro foi escrito na década de 90, por isso pode parecer estranho uma época onde o Japão era uma potência maior que a China e até assustava os EUA, mas Huntington acerta em muitas de suas previsões e já previa conflitos profundos entre EUA e China. Para ele a China tem o potencial de desempenhar um papel crucial no cenário político global, dependendo de seu crescimento econômico contínuo e estabilidade interna, o que realmente ocorre. Então não há nada de estranho a China se tornar um importante centro mundial, até mesmo porque a parte do mundo mais rica, mais culta e mais poderosa durante quase toda a história, apenas nos últimos 500 anos foi diferente, então o poder global apenas está voltando para a sua localização mais comum.