Pandora 04/10/2017Quando Nouf Ash-Shrawi, uma moça de 16 anos, filha de uma rica e influente família saudita desaparece pouco antes de seu casamento, o guia do deserto Nayir ash-Shrqi é contatado por seu amigo Othman, irmão da desaparecida, para tentar encontrá-la. O que ele não esperava era ter que trabalhar com uma mulher na resolução desse mistério.
Como livro policial não é muito impactante; os detalhes chegam a ser maçantes em determinados momentos. Mas o livro é muito interessante para sabermos um pouco mais sobre o dia a dia dos muçulmanos, em especial das mulheres sauditas, que vivem num mundo de regras muito rígidas, totalmente diferentes das nossas. Toda a investigação é pautada no fato de que as mulheres não têm liberdade para circular sozinhas, então como Nouf saiu de casa?
Já conheci brasileiras que se converteram ao islamismo para se casarem com árabes e conheci também homens árabes egípcios, por isso alguns hábitos e preceitos religiosos eu já conhecia. Mas há muita diferença na aplicação do islamismo nos países árabes, porque depende da interpretação mais ou menos rígida do Alcorão.
A Arábia Saudita era o único país no mundo cujas mulheres não podiam dirigir. Recentemente, as sauditas conquistaram este direito, há muito almejado, através de um decreto do rei; mas, na prática, isto só deverá ser possível no meio do ano que vem. Um artigo na BBC Brasil, elenca as 7 coisas que as mulheres sauditas ainda não podem fazer sem a permissão de seu "guardião homem" ou tutor (em geral, algum homem da família, como seu pai ou marido):
- Solicitar um passaporte
- Viajar ao exterior
- Casar-se
- Abrir uma conta bancária
- Começar alguns tipos de negócios
- Passar por uma intervenção médica
- Sair da prisão depois de cumprir a pena
Elas também não podem sair em público sem a abaya (traje largo que cobre o corpo todo); não podem ter contato com homens que não sejam da família (um dos motivos alegados para que não pudessem dirigir, o que implicaria esse contato com guardas de trânsito ou com motoristas homens em caso de colisões, por exemplo). Pasmem, mas no caso de testemunho, o depoimento de um homem equivale ao de duas mulheres. E mesmo como mães seus direitos são limitados: em caso de divórcio, só ficam com os filhos até completarem 7 anos (meninos) e 9 anos (meninas).
Mas há saídas: em lugares próprios para famílias (no livro é citado um restaurante e um parque de diversões) é possível que homens e mulheres não casados e que não sejam da mesma família circulem juntos como se o fossem; e o misyar citado no livro, que formalmente seria um contrato de casamento com menos direitos, na prática - e é para isso que Nayir o carrega no bolso - serve para escapar da polícia religiosa em caso de um casal ser pego junto sem ser casado.
Volta e meia vejo mulheres de todas as idades reclamando do assédio de homens árabes na internet, que mandam convites de amizade ou mensagens melosas. O que me fez perguntar a um deles, que dizia temer a Deus e seguir o Alcorão, mas que agia, na web, de forma totalmente contrária ao que pregava, se ele achava que Allah não o espiava no mundo virtual. Ele não teve resposta. Enfim... passarinho na gaiola quer voar.