Evandro 25/06/2016
Tempo Seco - Clara Arreguy
Brasília respira política. Onde alguns estão somente de passagem, outros buscam novas oportunidades.
É nesse clima que Clara Arreguy nos conta a história de alguns personagens, diante de um Tempo Seco, tanto no cenário da metrópole quanto nas atitudes individuais, influenciadas pelo constante fluxo de pessoas. Um lugar com diversidade de falas e sotaques, sonhos e ilusões, e expressões que nem sempre se entende.
Quando Miriam deixou Belo Horizonte e chegou à Brasília, com pouco mais de 40 anos, solteira, sem filhos e algumas desilusões amorosas na bagagem, percebeu logo a dificuldade que teria para se adaptar à cidade. Sentia falta dos amigos, de sua casa, de sua terra. Não tinha grandes ilusões ali.
"Na verdade não há chance para a sorte ou azar na vida das pessoas de Brasília. Elas buscam a cidade sabendo o que deixam ou procuram. Que os sonhos desandem ou realizem é um sinal de que a vida é que manda, e não as teorias."
Como não dirigia, Miriam fez dos taxistas seus companheiros e, aos poucos, foi colecionando histórias, devido a sua qualidade de boa ouvinte, tornando-se confidente. Ouvia segredos e sonhos. Talvez impulsionados pela necessidade de conversar e de passar o tempo.
Entre muitos taxistas, Rodrigues era o melhor amigo. Era com ele que compartilhava ideais e pensamentos políticos. Tinham afinidades que, inevitavelmente, os aproximaram.
Uma das histórias que ouviu, e também a principal do livro, foi a de Nonato. Desde o nascimento, passando pela infância difícil, acompanhando a militância do irmão Miro, nove anos mais velho, que fez crescer dentro dele os desejos de uma sociedade mais justa e igualitária. Ele não tinha ambição, porém o desejo de ajudar a família, o levou a prestar concurso para o Banco do Brasil, o que o levaria tempos depois à Brasília. Nonato, desde os tempos da faculdade, só teve olhos para Dorinha, por quem se apaixonou, e acabou se tornando um objetivo de vida.
Dorinha, como personagem, é mesmo fascinante. Enquanto todos agem com atos controlados e medidos, ela se joga na vida, descompromissada e sem regras. Talvez por isso, exerça um encanto e domínio tão grande sobre Nonato. Percebemos que, ao contrário das confissões que desnudam a alma, ouvidas por Miriam nos táxis, existem pessoas muito próximas que se fazem completamente desconhecidas.
O livro passeia por diversos momentos políticos nacionais, como as lutas contra a ditadura, os movimentos sindicalistas, a eleição e a reeleição de Lula, o escândalo do mensalão em 2005, os desvio de militantes burocratizados seduzidos pelo poder, etc. Muito interessante para entender que política faz parte da vida de todos, pois o tema é abordado dentro do contexto de cada personagem, sem tornar-se cansativo.
Traça relações pessoais, familiares, conjugais e concepções políticas. Fala de amizade e violência e como escolhemos nosso caminho para buscar a tão sonhada felicidade. A própria solidão de Miriam, estando cercada por tanta gente; a violência nas ruas e muitos outros fatores aproximam cada história da realidade do leitor.
É um livro muito bem escrito, com um enredo ricamente amarrado, diagramação que encanta e uma capa que representa bem a atmosfera da história. Mesmo tratando de temas fortes e polêmicos, a autora consegue fazer uma narrativa solta e prazerosa. Eu recomendo. Boa leitura!
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