PorEssasPáginas 02/10/2013
Resenha No Escuro - Por Essas Páginas
Olá! Hoje a resenha dupla será com um thriller bastante angustiante, de dar calafrios. Para quem é fã do gênero suspense vai gostar. As opiniões da Karen serão em verde e as da Lucy serão em azul. (Cores na resenha original no blog)
Mais um livro que adquiri em e-book no começo do ano e só agora consegui lê-lo (isso acontece muito). Eu achei interessante a narrativa do livro, primeiro porque não mostra tudo o que aconteceu de uma vez só. A angústia do leitor aumenta quando você descobre que aconteceu alguma coisa, mas você não sabe da intensidade do que aconteceu e isso só será mostrado aos poucos – isso até me irrita um pouco, mas de forma positiva para a leitura, porque ela flui mais depressa devido à minha curiosidade (estranha, eu? Só um pouco).
Também adquiri o livro há algum tempo, mas demorei para ler, apesar de estar bem curiosa. Como a Lucy, achei bem interessante o método narrativo. As informações são cedidas ao leitor em conta-gotas, de maneira muito sutil, mas diferente da Lucy, isso não me irrita; é uma técnica ótima para um thriller. O que mais dá medo, seja numa leitura ou num filme de horror é exatamente o desconhecido. Por isso esse método é tão efetivo, pois vai construindo lentamente a angústia, de um jeito quase perverso – com os personagens e com o leitor.
O livro é narrado por Catherine/Cathy, exceto três capítulos. Como eu disse antes, a autora revela o que aconteceu aos poucos, intercalando os capítulos que são divididos pelas datas em que aconteceram: um capítulo retrata a vida de Cathy em 2007/2008 e outro capítulo retrata a vida de Catherine em 2003/2004. Isso foi outra técnica brilhante utilizada pela autora. As personagens – que na verdade são a mesma pessoa - contrastam de maneira excepcional, como opostas, e às vezes até dão a impressão de serem pessoas completamente diferentes. Até aqui a autora teve o cuidado ao nomeá-las de maneira diferente: Catherine, no passado, Cathy, no presente. E o mais incrível é que o leitor, angustiado, vai acompanhando as duas até que elas convergem e se transformam na mesma pessoa, e você ali, tentando entender como isso aconteceu.
A vida de Cathy em 2007 é de uma pessoa que olha para todos os lados antes de sair de casa e sempre verifica seis vezes se a porta da rua está fechada e se está bem lacrada, sem falhas. Além de estabelecer um padrão sobre posição de móveis, talheres e cortinas, ela também muda de itinerário todos os dias, para ter certeza de que não será seguida. Isso tudo é causado pelo estresse pós traumático do que ela sofreu anos antes; o trauma foi tanto que ela desenvolveu TOC (transtorno obsessivo compulsivo), que faz com que seja necessário que repita todos os procedimentos repetidas vezes para ter certeza de que está segura. Caso ela falhe em alguma de suas verificações, ela sente o pânico aumentar, culminando em uma crise que ela não consegue controlar tão cedo.
O trabalho de pesquisa da autora sobre os transtornos foi notável. O resultado final foi muito realista. É lendo algo assim que a gente percebe o quanto a pesquisa é importante na escrita e o quanto ela é capaz de deixar as coisas mais verossímeis e, nesse caso, assustadoramente reais.
Se eu não escolher um itinerário de volta diferente toda noite, fico achando que alguém vai me seguir. Dá para imaginar viver assim? Não é nada agradável. (…)
Mas aquelas verificações não me davam prazer algum, nunca deram; era mais uma espécie de alívio – uma ausência temporária de terror.
Já a vida de Catherine de 2003 é a de uma jovem despreocupada com a vida, que gosta de sair para beber com as amigas e encontrar caras na festa com quem ela pudesse curtir a noite e ir embora no dia seguinte. Até ela conhecer Lee.
Você confia em alguém que se mete em uma briga e depois se recusa a contar o que houve?
Ela o conheceu em um pub, ele trabalhava na segurança. Até então, ela se sentiu lisonjeada por ele se aproximar dela. Logo eles estavam juntos, ela sem saber muito de sua vida. O relacionamento era intenso, Lee muitas vezes era atencioso até demais, mas Cathy percebia algumas peculiaridades em Lee, como sombras, que ela não gostava muito. No começo era apenas a sensação de algo fora do lugar que, aos poucos, foi crescendo e se tornando maior e mais assustadora. É interessante como a angústia da protagonista passa pelo livro e chega até o leitor. Aos poucos, apesar de não conseguir largar o livro, eu me sentia angustiada apenas por lê-lo. Não são muitos escritores que conseguem essa façanha.
Toda mulher gosta de brutalidade – disse ele – As que dizem que não são mentirosas.
(…) me peguei pensando: Isso é loucura – o que é que estou fazendo? O que estou fazendo?
Muitas vezes ela deixava passar essa má impressão que tinha de Lee. Afinal, ele tinha seus altos e baixos, normal. Bem… Nem tanto. Quando ela viu que não aguentaria mais a pressão do relacionamento não apenas controlador mas abusivo, percebeu que não seria tão fácil assim se livrar dele. Mesmo porque, todas as suas amigas estavam a favor de Lee.
A primeira vez que Catherine se deu conta disso – através do telefonema quase histérico de uma de suas amigas – eu achei pouco verossímil. Como assim uma amiga agiria daquela maneira? Mas depois refleti mais um pouco e percebi que sim, isso é possível, se o cara for manipulador e encantador o suficiente. Quantas vezes não vemos mulheres completamente dominadas por caras aparentemente perfeitos, sem nem perceber que isso ocorre? Eu com certeza já vi. E a amizade pouco significa nesses momentos, infelizmente. A insegurança, a solidão, a carência… todas as outras pessoas e coisas se tornam pequenas perto disso. Já vi garotas que namoram com caras assim e se afastam por esses motivos, e também vi amigas que abandonam a amiga que está namorando pelo mesmo motivo e talvez até por inveja. As amigas de Catherine sentiam inveja pela relação aparentemente perfeita dela, mas as coisas não eram bem assim. Desconfie do que é perfeito.
Eu não achei pouco verossímil, porque sei como é horrível perceber como as pessoas podem tomar partido de outras sem sequer ouvir o outro lado da história. É frustrante, você se sente insegura, sem saber em quem confiar. Eu notei que apenas uma das amigas de Catherine estava disposta a ouvir o que ela tinha a dizer, mas Catherine já não tinha mais esperança de escapar.
Não sobrara mais ninguém. Ninguém. Agora era somente ele e eu.
Em 2007/2008, Cathy sabe que precisa lidar com esse medo, esse pânico que cresce de forma irracional. Ainda sem esperança, ela parecia conformada, porém infeliz. Stuart, seu novo vizinho, conseguiu convencer Cathy a procurar ajuda profissional, ciente de que ela não conseguiria se livrar do TOC sozinha. Cathy precisaria ir a um hospital, outro local que ela também relutava em ir, por fazer parte de um de seus traumas.
Eu queria me lembrar de como era me sentir livre.
Como um fantasma que aparece à noite, Cathy recebe a notícia de que Lee cumprira sua sentença e seria solto em breve. Embora ela ainda estivesse em processo de tratamento e sentir o pânico crescer cada vez mais, ela sabia que teria que agir contra o TOC, mesmo tendo certeza de que Lee passaria a persegui-la novamente, apesar de aparentemente não saber sua localização atual.
É interessante como a autora mexe com nossos sentimentos aqui, algumas vezes até nos dá alguns tapas na cara. No começo eu via Cathy e pensava: ok, você é doida, meu bem. Chegava a ficar irritada com as verificações dela, que levavam páginas inteiras. Puro preconceito. À medida que o livro avançava e Cathy tentava se livrar da obsessão ao mesmo tempo que o perigo aumentava ao seu redor, eu chegava a pensar: é melhor você olhar, é melhor verificar. E ficava insegura quando ela algumas vezes era descuidada – ou apenas normal, tentando se curar – porque você percebe que Cathy, apesar de ter uma doença, também tem motivos muito reais para sentir medo. No final, o leitor se torna quase tão transtornado quanto ela. E o irônico é que ela está se tornando mais corajosa e tentando se ajustar, exatamente quando estamos nos tornando paranoicos do jeito que ela era.
Desde o começo, eu já sabia que ela sofria de algum transtorno de ansiedade ou Síndrome do Pânico. Depois que Stuart mencionou o TOC foi que eu percebi que o pânico e a ansiedade eram os sintomas. Eu fiquei com muita pena por ela não se sentir segura, mesmo sabendo que Lee estava preso, isso para vocês terem noção do que é o TOC. Quando ele foi solto, eu acho que ela soube trabalhar seu TOC quanto ao verdadeiro risco que corria. É como quando temos medo do escuro, você tende a se esconder debaixo da coberta e fechar os olhos até pegar no sono. Para passar o medo, você deve se sentar na cama e observar para ver o que acontece. E foi o que Catherine fez.
A questão não é saber se ele vai descobrir onde estou, a questão é saber quando isso ocorrerá. (…)
Mais uma vez, Cathy se sente um tanto vulnerável e sozinha, porque parece que nem Stuart consegue acreditar nela e em suas suspeitas, quando coisas estranhas começam a acontecer ao seu redor e pequenas pistas de que Lee a estava perseguindo. Mas o próprio Stuart começa a suspeitar de que há alguma coisa errada e passa a apoiar mais ainda Cathy.
Eu precisava aprender a não agir como uma vítima dessa vez – de mim mesma ou de qualquer outra pessoa.
Eu fiquei chocada com várias cenas do livro e me via quase chorando com o terror que Catherine passou com Lee e com as sequelas que apareciam nos capítulos em que ele não representava um perigo iminente. Ele não era simplesmente obcecado por Catherine, ele se revelou um verdadeiro psicopata, que sabe o que fazer quando quer se livrar de um obstáculo para conseguir o que quer.
O que eu posso dizer de Catherine? Ela é uma guerreira, isso sim. Muitas mulheres passam pelo que ela passou e não conseguem sobreviver ou manter o mínimo de sanidade. Isso é algo que a gente só se dá conta ao avançar na leitura. Cathy era muito mais corajosa do que parecia. A evolução dela, desde a Catherine do início até a Cathy do final é notável. Gosto muito quando o personagem evolui durante a narrativa; na realidade, nem é que eu goste, isso é necessário em um bom livro.
Sempre achei que mulheres que continuavam levando adiante um relacionamento violento e abusivo só podiam ser umas idiotas. (…) Notei que se afastar não era uma alternativa simples, afinal de contas.
No momento que li essa parte do livro senti outro tapa na cara. Quem nunca viu uma história de assédio, abuso, violência doméstica e não pensou “porque essa mulher não vai simplesmente embora?”. Quem nunca olhou para uma amiga com um relacionamento destrutivo, e nem precisa ser tão destrutivo, e jamais pensou “o que ela está fazendo com ele?”. A resposta é que talvez as coisas não sejam tão simples quanto a gente, de fora, pensa. Há vários fatores envolvidos. Para quem está de fora é fácil julgar. Para quem está vivendo na pele a situação… não é fácil.
Eu tenho arrepios de pensar que isso possa estar acontecendo com alguém da minha família ou algum conhecido nesse exato instante. Catherine teve sequelas físicas e psicológicas, mas luta contra elas todos os dias. Em uma parte do livro, ela ainda se culpa por ter se envolvido com Lee, pelo fato de ela ter uma vida “mundana”, com festas e sexo sem compromisso regularmente. ISSO É ERRADO. Seu passado “desregrado”, digamos assim, não faz dela culpada pelo que lhe aconteceu, por não ter enxergado o tipo de homem que ele era ou por não ter se afastado definitivamente quando deveria; NADA justifica o que ela passou. Se vai ter cura? Não sei, não tem como saber. Se alguma mulher alguma vez se viu livre das sequelas de um relacionamento assim, então Cathy tem chance também. Esse ponto que a Lucy tocou é importantíssimo: aqui, Cathy é uma vítima, não a culpada. A sociedade e as pessoas tendem a colocar a culpa na vítima, especialmente e principalmente na mulher. Uma mulher que sofre violência não é a culpada: é a vítima.
Stuart foi um tipo de anjo da guarda, não que ela se sentisse mais segura com ele – não apenas isso. Ele a convenceu a procurar ajuda, a quebrar um tabu que se auto-impôs sobre hospitais, disse que isso tinha de partir DELA e ele não interferiu em momento algum em suas decisões, não simplesmente por questões éticas (ele também é psicólogo), mas por respeitar o espaço dela.
Gostei de Stuart também. Apesar de ele ser ótimo, não era um cara perfeito, dava a impressão de ser um cara real, de carne e osso, e isso o fazia ainda mais especial. Mas gostei ainda mais de ele ser um conforto para Cathy, mas não sua tábua de salvação. Apesar de tão fragilizada, Cathy ainda conseguiu encontrar sozinha força dentro de si para proteger a si mesma. Ela não era uma mulher desamparada, apenas estava apavorada, mas algumas vezes cheguei a pensar que, apesar de destrutivo, o medo também a fortaleceu.
Eu gostei muito do livro, achei angustiante e o modo em que foi narrado realmente me prendeu. Para quem tem estômago fraco não recomendo, muito menos para menores de 18 anos, o livro é extremamente chocante e você fica aterrorizada com o que acontece, torcendo para que termine logo. Mostra uma realidade que atinge muitas mulheres e que algumas sequer saem vivas. Sobre o final, só posso dizer que é como se não houvesse um final. Mas não se assustem ou torçam o nariz: isso é ótimo. É o tipo de final que fecha sem fechar, mas não frustra. É o suficiente. Uma conclusão brilhante para um livro brilhante.
E realmente o livro é chocante. Mas não sei dizer se não recomendaria, como disse a Lucy. Pode parecer horrível, mas acredito que às vezes a gente precise ler/ver essas coisas, para que algo entre em nossa cabeça, para causar um certo choque de realidade. Na verdade, nem todo mundo pode concordar comigo aqui, mas eu acho esse livro ótimo para abrir os olhos de muitas pessoas: ultimamente, com esse monte de livros eróticos (onde o problema certamente não é o sexo), mostram-se personagens controladores e manipuladores como homens incríveis e românticos; a realidade, gente, é bem diferente. Um homem controlador, que segue você por todo lugar e controla seus passos, o que você come, o que você veste, não é bonito. No Escuro não é um livro de horror, mas certamente mostra um tipo de horror – o mais real, aquele que realmente pode acontecer em algum lugar, agora mesmo, enquanto você lê essas palavras. E é isso que mais perturba: saber que aquilo é sim real em alguma escala, em algum lugar, apesar de ser mera ficção.
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