Carpe Libri 24/02/2015
Elizabeth Haynes conseguiu me surpreender com seu livro de estreia no Brasil. Publicado pela Editora Intrínseca, No Escuro traz a complicada história de Catherine Bailey em duas épocas distintas de sua vida, o antes e o depois de Lee. Pode parecer um pouco confuso no início, termos a cada trecho uma mudança temporal completa, mas é como se estivéssemos acompanhando duas personagens distintas, a Catherine, dona de si, baladeira, que nunca parava em casa, sempre se divertindo com as amigas, dormindo com aquele que fosse o melhor da noite, até que conhece Lee, o homem dos sonhos de qualquer mulher. E anos depois temos Cathy, sofrendo de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo compulsivo, insegura e isolada socialmente.
A grande questão é o que realmente teria acontecido para que aquela garota extrovertida se transformasse em seu completo oposto, física e psicologicamente. Sabemos que ela foi atacada por Lee quando acompanhamos Cathy, mas não sabemos exatamente de que forma e a autora consegue confundir ainda mais colocando a transcrição do julgamento de Lee logo nas primeiras páginas, dizendo que ela tinha ataques de pânico, ciúmes extremo e se autoflagelava, e que as próprias amigas dela não acreditavam no que ela dizia [e talvez nem mesmo nós, leitores]. A única certeza é a de que alguma coisa aconteceu. Se tudo isso não bastasse pra mexer com a cabeça do leitor, imagine como é acompanhar Cathy em suas verificações de segurança, que chegam a durar horas e horas, checando a maçaneta uma, duas, três, quatro, cinco, seis vezes, depois a janela que não abre, a gaveta de talheres, deixando as persianas com exatos oito quadradinhos de cada lado... e isso tudo de novo, por que algo estava errado, ela fez rápido demais, um barulho a interrompeu, qualquer coisa. Levantava às quatro da manhã, mas algumas vezes só conseguia sair depois das nove para o trabalho. E voltava todos os dias por caminhos diferentes, indo dormir tarde da noite, somente após terminar todos os ciclos de verificações.
Que tipo de vida era aquela? Ela sabia que todas as manias, os horários, as verificações, que tudo aquilo não era normal, mas como parar? Como não deixar o pânico aumentar? Como não deixar ele voltar à sua mente? Ela enxergava Lee em todos os lugares, mesmo sabendo que ele estava preso, e a única luz que começou a surgir, muito fraca, era Stuart. O vizinho do andar de cima, que não deixava a porta do prédio aberta e que com toda calma e paciência [ele era psicologo, afinal], consegue fazer com que ela tenha a esperança de um dia voltar a ter uma vida normal, fazendo até com que ela tente procurar ajuda. Até que tudo desanda.
O livro conseguiu realmente me prender e me fazer pensar, pois aborda um aspecto do que pode ser a vida para várias mulheres, que entram em um relacionamento esperando a felicidade e acabam totalmente mudadas, com suas vidas controladas por um parceiro obsessivo. Há inclusive um momento no livro em que Catherine se questiona sobre o que acreditava antes, que ao se ver em uma relação abusiva, seria apenas a questão de dizer chega e ir embora, mas que agora, ao viver essa realidade, não é tão simples assim. Lee é tão encantador e manipulador que nem mesmo suas amigas acreditam mais nela. [E talvez nem nós, leitores]. Então como escapar? Ainda mais se você ainda ama ao menos alguma parte dele? E quando se consegue escapar de alguma forma, como será a sua vida depois? Cathy escapou, mas se tornou uma pessoa totalmente diferente, presa a um momento do qual não consegue escapar e, consequentemente, sem dar seguimento à sua vida, vivendo presa ao medo.
Vou repetir, esse livro é complicado. Mas eu achei incrível a forma como ela conseguiu transformar tudo em algo coeso e tão passível de questionamento. Recomendo e muito a leitura, mas pra quem tiver certeza de que quer ler o livro, de que quer se autoquestionar, se não em relação a forma como encara um relacionamento abusivo e sua possível atitude, então na forma como encara suas próprias manias, e não, nem vem com aquela de que tem TOC por pura brincadeira, isso é mais sério do que muita gente pensa, ainda mais se atingir um estágio semelhante ao da personagem.
Mas é isso. Ninguém nunca sabe como vai reagir a alguma coisa até que ela aconteça. E isso é a mais pura verdade.