Karamaru 29/06/2019
MUTAÇÕES
De início, já alerto que ler Índigo apenas como literatura juvenil pode ser frustrante. Quem aprecia a escrita da autora já deve ter percebido como ela maneja bem o emprego da ironia e do humor soturno, e como ela desconstrói os rótulos românticos da infância e da adolescência. “Perdendo perninhas”, um de seus primeiros trabalhos, não foge à regra.
O livro narra as aventuras de Ágata e de outras amigas para se adaptarem à quinta série – um mundo novo e desconhecido, mas não menos aflitivo e hostil pelas mãos de Índigo: “Em menos de cinco minutos eu estaria oficialmente no segundo ciclo e isto muda tudo na vida de uma pessoa. (...) Em menos de cinco minutos ninguém mais seria responsável por nós (...)” (p. 11).
“Perdendo perninhas” poderia, já nas primeiras páginas, tornar-se uma narrativa insossa e clichê, mas Índigo consegue surpreender e divertir o leitor com a inclusão de personagens icônicos, como o “amigo imaginário” da protagonista, um demônio verde, um tipo folgado e bonachão, com ares de malandro, que aparece nos momentos menos esperados ao longo da trama.
Apesar dos méritos da obra, para mim ela não consegue equilibrar o mesmo nível da elaboração linguística e do humor com grande constância. Alguns poucos trechos obstruíram o ritmo narrativo, como os que tratam da apresentação das religiões para a aula de ensino religioso. Mesmo assim, há boas sacadas neles, como o deslumbre de Ágata pelo deus hindu, Ganesha.
Índigo tem desenvolvido uma prosa fora da curva, tanto na forma quanto na temática. O fato dela se ater ao universo infantojuvenil pode ser um problema para alguns; não vejo muito sentido nessas divisões. O que ela faz é literatura, e boa literatura, que, claro, não é perfeita e tem pontos a melhorar, mas a autora encontrou um estilo, o que é inegável e bem significativo.