Não esperava receber esse livro como o título de março da editora Rocco. Foi uma completa surpresa porque a editora que escolheu os livros daquele mês e estava bastante reticente sobre a história. O título por si já impressiona o leitor desavisado que parte para suposições. Carolyn Jess-Cooke surpreende a todos com um cenário incomum e uma narrativa subjetiva que entremeia a triste realidade de crianças com famílias despedaçadas, e doenças mentais infantis, como a esquizofrenia.
Alex é um garoto de dez anos muito diferente dos outros. Ele é solitário e vive com a mãe em uma casa caindo aos pedaços do subúrbio de Belfast. A mãe não é mais a mesma desde que o pai de Alex morreu. O garoto não lembra quase nada do pai e a mãe não contou para ninguém quem ele era. A mãe o proibiu de tocar no assunto. Alex é independente para sua idade. Ele mesmo se vira na cozinha preparando cebola com pão. Já que se pode comprar muita cebola com pouco dinheiro. Já faz um tempo que Alex enxerga demônios. Seu melhor amigo é Ruen, um demônio que aparece para ele em quatro figuras. Quando Alex presencia a quarta tentativa de suicídio de sua mãe a situação muda. Com a mãe no hospital e casa no estado em que estava Alex é encaminhado para a doutora Anya, médica e psicóloga especializada em doenças psiquiátricas infantis. O assistente social que já acompanhava Alex não quer que o garoto seja internado, mas a vivacidade das descrições de Ruen, das conversas entre eles e dos outros demônios impressiona Anya. Para ela a postura de Alex e esse amigo indicam o começo de esquizofrenia e Anya não vai descansar enquanto não descobrir a história e a verdade sobre Alex. Anya perdeu sua filha de doze anos para o suicídio por não enxergar o quão grave era o caso e não quer cometer o mesmo erro com Alex. Mas tem outra coisa preocupando Anya, como Alex poderia saber tanta coisa sobre ela? Seria apenas a percepção infantil exacerbada que se mostra em casos de doenças psiquiátricas na infância ou algo mais? Estaria Anya, uma médica conceituada considerando a possibilidade de Alex realmente ver demônios?
A premissa básica é essa, e é mergulhando no cenário melancólico da Belfast uma geração após os conflitos sangrentos que marcaram a capital da Irlanda do Norte que a autora desenvolve engenhosamente a história de Alex. A primeira vista o título pode enganar sugerindo algo sobrenatural, mas os meandros da história criada por Carolyn Jess-Cooke são muito mais profundos e complexos. A autora executa seu enredo com maestria, uma dança habilidosa onde desenvolve o tema saúde mental, as ramificações e os impactos na vida de todos que cercam Alex assim como Anya. A autora usa a sugestão como ferramenta e joga ao não confirmar nada mostrando nas entrelinhas a complexidade e os efeitos devastadores da doença.
Apesar da natureza pesada e triste do tema a história soa de forma esperançosa através do olhar inocente de Alex. O ritmo é acertado, num tempo perfeito e a autora delicadamente revela partes do passado de Alex construindo uma trama simples, mas surpreendente e perspicaz. Alex é inteligente e perceptivo para a idade dele, que absorveu a dura realidade em que vive como uma esponja. E se a dureza da realidade pode destruir uma pessoa, imagina o peso para uma criança. Sem pirraças e choros, sem uma forma de pôr as emoções para fora Alex é um retrato injusto de mini adulto. Em seus dez anos já presenciou mais violência do poderia se supor e escondido na infinidade da mente isso se transformou. Custando a Alex um preço alto, que reflete em tudo na sua vida. A autora merece todo mérito por trazer de forma tão delicada a doença mental infantil à baila. E ao final o que fica é a sentença máxima que todos nós temos nossos próprios demônios.
Leitura que absorve o leitor, que concentra nossas energias e que vai te atingir de maneiras diferentes e únicas. Seja pelo seu lado peculiar ou por seu protagonista que desperta tantos sentimentos no leitor. A ambientação é outro ponto alto do livro. Carolyn Jess-Cooke me surpreendeu e me cativou com sua história. A edição da (...)
Termine o último parágrafo em: http://www.cultivandoaleitura.com/2013/05/resenha-o-menino-que-via-demonios.html