Bruno Oliveira 06/03/2015Ler Paulo FreireSobre "A educação e o processo de mudança social", diz Paulo Freire na introdução:
“Comecemos por pensar sobre nós mesmos e tratemos de encontrar, na natureza do homem, algo que possa constituir o núcleo fundamental onde se sustente o processo de educação.
Qual seria este núcleo captável a partir de nossa própria experiência existencial?
Este núcleo seria o inacabamento ou a inconclusão do homem.
O cão e a árvore também são inacabados, mas o homem se sabe inacabado e por isso se educa. Não haveria educação se o homem fosse um ser acabado. O homem pergunta-se: quem sou eu? de onde venho? onde posso estar? O homem pode refletir e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser na busca constante de ser mais e, como pode fazer esta auto-reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca. Eis aqui a raiz da educação.
A educação é uma resposta da finitude da infinitude. A educação é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado. Isto leva-o à sua perfeição.“
Freire, Paulo. Educação e mudança, pág.27-28. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
*
São palavras belas mas descuidadas; elas valem pelo sentido geral mas falham nos detalhes.
– Felizes são os que tem asas pois a eles pertence o reino dos céus, diz o homem que vê o fruto no alto da árvore e quer ser pássaro. Nesse momento de fome ele experimenta uma incompletude ou inacabamento: quer algo que (acredita) só conseguirá se for outro.
Apesar disso, ele não desiste do fruto e imagina que escalar a árvore ou usar uma vareta para cutucá-lo pode bastar para encher o bucho, começando assim a compreender, de pensamento em pensamento, as possibilidades de sua natureza. Caso não compreenda, então outro (quem sabe o próprio pássaro?) é que ganhará o fruto.
O conflito entre experiência e natureza existe somente enquanto o homem pensa que para ter o que deseja necessita de outra natureza, todavia, tal conflito poderá ser desfeito caso ele conheça o que está em seu poder ser, ou seja, caso conheça aquilo que foi feito para (do latim: per-fectus) ser.
O homem faminto não está incompleto, apenas faminto; saciar sua fome não o completará, apenas acabará temporariamente com uma condição que é tão natural quanto a saciedade. Ele não é inacabado ou imperfeito mas completo e absolutamente perfeito, entretanto, mesmo seres perfeitos como somos precisam se pôr em movimento para atenderem suas necessidades e continuarem existindo.
*
À luz dessas considerações, como podemos pensar uma educação do âmbito da completude e da perfeição?
Particularmente, ainda não tenho clareza sobre o assunto, mas farei dois apontamentos.
Para começar, creio que a educação pensada assim seja capaz de duas coisas: de fortalecer ou de enfraquecer o homem na medida em que convém ou contraria sua natureza, por conseguinte, caso queiramos fortalecê-lo, devemos buscar maneiras de convir com ela em vez de lhe exigir o que está além de suas possibilidades.
Além disso, como parte daquilo que já está em cada homem, a educação é suscitada por alguma coisa que preexiste com relação a ela, consequentemente, educar é educar em razão de algo e para algo – onde houver educação, sempre caberá perguntar “educar como?” e “educar para quê?”, perguntas as quais, trocando em miúdos, inquirem “o que na natureza dos homens queremos reforçar?”.
Para desfazermos o descuido de Paulo Freire esses dois apontamentos bastam. Por ora, saber que não somos incompletos e que não há nada externo que nos completará é suficiente para desviarmos um pouco do pensamento do pedagogo e iniciarmos nossa própria reflexão sobre a educação. Que ela convenha conosco.
site:
https://aoinvesdoinverso.wordpress.com/