Henrique Fendrich 11/06/2021
Outro livro de uma sobrevivente de holocausto, também organizado na forma de um diário, ainda que, neste caso, talvez não tenha sido a melhor escolha editorial.
Em termos de conteúdo, a história de Helga se destaca por retratar a vida cotidiana no campo de concentração de Terezín, na Tchecoslováquia, que não costuma ser muito lembrado. A família dela passou anos ali e Helga, ainda uma adolescente, registrou boa parte da rotina e, evidentemente, das crueldades a que estavam submetidos constantemente naquele lugar.
Mas Helga não ficou por ali, e na verdade foi transportada para uma série de outros campos de concentração e de extermínio, inclusive Auschwitz. Como não podia deixar de ser, são bem tristes os relatos que ela faz, evidenciando a que ponto a humanidade foi capaz de chegar. Trata-se de um livro necessário para que nos sintamos constrangidos enquanto humanidade e assim, quem sabe, possamos evitar que algo assim um dia se repita.
Em relação á estrutura do livro, creio que não deveria ser utilizado o formato de diário. É que Helga não o escreveu exatamente como um diário, como a Anne Frank, mas fez anotações esparsas, a maioria delas sem datas, e mais tarde, depois da guerra, reformulou o conteúdo, modificou informações, acrescentou outras, de modo que o resultado não é exatamente o "original" de suas anotações, mas um modelo híbrido do diário com uma reconstrução.
Tenho para mim que o ideal seria uma narrativa direta que preenchesse muitas das lacunas que o diário deixa. Por vezes, uma anotação de Helga termina e a gente quer saber como continuou aquilo que ela estava dizendo, mas não ficamos sabendo, porque a próxima nota só foi feita bem mais tarde. A própria inclusão de uma entrevista ao final do livro reforça a existência de pontos que não foram explorados no texto do diário.
Então talvez fosse melhor preencher esses espaços em uma narrativa única que tomasse o diário como base, mas que fosse um texto todo novo.
A estratégia de contar a história no presente, ou, no mínimo, no passado imediato, é boa porque mantém o olhar de adolescente sobre a guerra, mas creio que isso seria reforçado e alcançaria resultados melhores se não houvesse a preocupação de se limitar ao texto do diário. Penso, por exemplo, no que Loung Ung fez em "Primeiro mataram meu pai", sobre a ditadura no Camboja, mas, evidentemente, semelhante trabalho exige a habilidade de uma escritora, e não é essa exatamente a atividade de Helga (uma notável pintora).
É claro, entendo que se deve respeitar a vontade da própria Helga que queria preservar o formato de diário mesmo, mas ela tinha memória suficiente para acrescentar mais.
Também acredito que o livro devesse chamar a autora de Helga Weissová. A família de Helga, embora judia de origem germânica, já estava complemente incorporada aos tchecos na Tchecoslováquia e, durante o livro, é sempre como tchecos que eles se identificam, em natural oposição aos alemães, de modo que o sobrenome deveria respeitar a declinação feminina própria dos sobrenomes tchecos, marcando assim a sua identidade.