otxjunior 28/06/2021O Passado É um Lugar, Tana FrenchEu gosto de pensar em Tana French como romancista, sem o rótulo de escritora policial. Não me entendam mal, sou muito fã do gênero; mas o que ela faz certamente vai além. Mais do que um jogo de adivinhar a identidade do assassino, e esta pode ser antecipada facilmente aqui, O Passado É um Lugar propõe um estudo de personagem muito bem definido e complexo. É fácil se envolver emocionalmente na teia de relacionamentos que a autora desenvolve por quase 500 páginas. E se as primeiras talvez demorem mais a passar ao apresentar o caso de maneira quase caótica com bastante gente envolvida, logo se torna difícil largar o livro até seu satisfatório final.
À frente das investigações está o irônico Frank Mackey, que já conhecia de outro livro da série em que ele é secundário - esse esquema aliás de revezar os personagens para cada volume é sensacional. Durão, cínico e até escroto, Frank se desenvolve ao longo do enredo até se tornar o anti-herói definitivo aos meus olhos. Suas tiradas hilárias ganham outro significado quando se lembra que é uma mulher que deve estar se divertindo perversamente ao escrevê-las. Os diálogos, aliás, são sempre críveis e inspirados. E também emocionam, principalmente na troca com sua filha de 9 anos. O que justifica um título de melhor/pior pai do ano para ele.
A dinâmica familiar disfuncional adiciona humanidade à narrativa, assim como a descrição urbana irlandesa, cor local. As personagens respiram naquele espaço e tempo estabelecidos. O tempo, inclusive, é tema central e cobrador de preços altos. O passado é implacável, por não reconhecer seu lugar e estar sempre presente. No geral, é realmente da matéria da literatura que não se encontra no romance de mistério padrão. E assim como toda boa literatura, atemporal.