-Shadowcat- 28/05/2011
Está aí uma série de livros que, tenho certeza, se eu tivesse lido na adolescência seria para mim então cinco estrelas em cinco. "As Brumas de Avalon" é uma releitura da lenda do Rei Arthur contada sob o ponto de vista das mulheres que faziam parte desta. Os livros também focam nos conflitos entre paganismo e cristianismo, religião esta que está lentamente substituindo a antiga religião existente na Inglaterra. Devo confessar que Marion Zimmer Bradley faz algo criativo aqui, e merece aplausos por isso e que a leitura realmente me prendeu. Porém a série não está livre de defeitos.
Bradley não é nada sutil em esconder sua preferência pela religião (neo)pagã na série. Sim, neo-pagã, porque a velha religião "druida" mostrada nos livros não é a religião praticada nas ilhas britânicas na Idade Antiga. Na realidade, pouco se sabe sobre aquela religião. Mas tudo bem, se Bradley quer defender o seu neo-paganismo no livro e ser anacrônica, nada contra. Ela própria fez parte de uma sociedade de escritores que defendiam o anacronismo na ficção. E este é um livro de fantasia afinal.
O problema é que a defesa de Bradley é constantemente martelada nas nossas cabeças de maneira explícita. Quando alguém quer defender seu ponto de vista em um livro de ficção, tem que fazer de maneira velada, sugerida, do contrário se parece uma pregação. Bradley não faz isso. Perdi a conta de quantas vezes é falado no livro de como a religião de Avalon é melhor que o cristianismo por isso e por aquilo. Que a religião de Avalon valoriza a mulher, que as sacerdotisas e druidas são pessoas cultas, estudadas, que sabem das coisas, ao contrário dos "ignorantes" cristãos, etc. Não sou cristã (na realidade não tenho religião alguma), mas tudo isso cansa e toma boa parte do livro. Quase (quase não, todos) os cristões são retratados ignorantes, machistas, intolerantes, etc. Tudo bem criticar religiões. Elas não podem ser imunes a críticas. O problema é que a crítica parece ser feita para a religião de Avalon pareça melhor ao olhar do leitor. É parecido quando uma menina chama a outra de gorda para parecer mais magra. E Bradley chega a distorcer severamente figuras históricas para isso. São Patrício da Irlanda (que nunca apareceu nas lendas de Arthur) foi transformado por ela em um ignorante machista, sendo que na realidade ele era um quase um feminista (talvez muito mais que a supostamente feminista religião druida) e chegou a ordenar sacerdotisas mulheres. E sobre a religião de Avalon, ao final dos livros, Bradley muito falou mas quase nada disse sobre ela, seus valores e em o que acreditam. Sabemos que no livro eles amam a natureza, valorizam as mulheres e a sexualidade, acreditam na Deusa e na reencarnação e... não sei. E olha que Bradley enche a boca para falar dessa religião. Mas ao final pouco sabemos de sua ética, moral, filosofia, visão do mundo, etc, além da do que eu falei (que é explorado superficialmente, parecendo um panfleto de propaganda new-age).
Uma coisa que ouço falar muito é que Bradley deu uma visão feminista para a história de Arthur, sendo Morgana, uma mulher forte, a principal representante desta visão. Onde, meu filho? É uma visão feminina, mas não feminista. Gostaria de saber quais livros de feminismo Bradley leu. Morgana está longe de ser forte. Não enfrenta seus problemas, vive fugindo com ou sem maiores explicações, está sempre suspirando por um homem que não está nem aí para ela e ainda acusa outras mulheres pelas costas de coisas que ela própria é culpada. Se alguém prestar atenção, em algumas partes dos livros a pessimamente escrita Gwenwynfar demonstra ter mais força que Morgana (embora seja óbvio que não é essa a impressão que a autora quer passar), pois pelo menos ela reconhece suas falhas de caráter e questiona sua própria fé.
Quanto aos personagens masculinos, Bradley falha feio. Quem lê esses livro sem saber nada sobre a lenda Arthur vai ao final se perguntar quem é esse Arthur e porque ele é um personagem tão importante na mitologia britânica. Porque ele é homem pateticamente fraco nessa história, e fora um pouquinho aqui e ali em que ela sugere sua importância, o leitor fica sem resposta. Idem para qualquer personagem masculino. Ela tentou dar força e verossemelhança a Mordred, mas ele acaba se saindo como um idiota arrogante. Reconheço que o ângulo homossexual dado ao relacionamento de Lancelot e Arthur dá uma nova e interessante perspectiva ao famoso triângulo amoroso, mas faltou a Bradley coragem de se aprofundar mais no assunto. Outra coisa que não gostei foi de que personagens importantes para outros no livro vivem sumindo sem dar maiores explicações e não são sequer mencionados novamente.
Porém, apesar dos problemas, a história não é ruim. O melhor livro, na minha opinião, é o quarto, em que Bradley deixa de lado a panfletagem e se foca mais aprofundar o personagens e deixar as coisas menos preto e branco no relacionamento paganismo x cristianismo, mostrando que até os pagães podem ter instâncias de fanatismo e hipocrisia (algo que foi levemente sugerido no primeiro livro). Se bem que uma parte dessa demonstração de hipocrisia pode ser um escorregão em relação à falta de atenção da Bradley, principalmente no que diz respeito da Morgana ter desprezo para com os cristãos e seus objetos sacros, dizendo que o sagrado se encontra em qualquer lugar, e quase ir à loucura quando os objetos sacros da de Avalon são roubados.
Apesar de tudo isso, são leituras divertidas e definitivamente as recomendo.