Do que a gente fala quando fala de Anne Frank

Do que a gente fala quando fala de Anne Frank Anne Frank




Resenhas - Do que a gente fala quando fala de Anne Frank


1 encontrados | exibindo 1 a 1


Higor 02/07/2019

'Lendo Pulitzer': sobre as armadilhas do excesso
Não é comum um prêmio literário nomear ou escolher um livro de contos como o melhor do ano. Embora sempre mencione entre seus finalistas, o Pulitzer, por exemplo, nunca escolheu um do gênero; já com o National Book, outro prêmio literário americano importante, o feito é mais comum em questão de vencedores.

Nathan Englander é figura constante nas coleções de contos, sendo convidado por autores consagrados, como E.L. Doctorow, Geraldine Brooks e Tom Perrotta, sem falar que é considerado um nome importante no cenário de humor judaico, citado por Michael Chabon e Jonathan Franzen. Atribuições de peso. Logo, um Pulitzer, mesmo que apenas sendo finalista, já é algo louvável.

'Do que a gente fala quando fala de Anne Frank' é um livro que desde a primeira página aborda o choque entre cultura americana e judaica, com seus preconceitos, curiosidades e até inseguranças por parte de quem, mesmo longe da pátria, a Terra Santa, se sente de alguma forma, desconectado do país postiço; e mais, temeroso com o que pode acontecer a qualquer um por ser, simplesmente, um judeu.

Não importa se são judeus natos ou descendentes, que vivem em Israel ou nos Estados Unidos, os personagens que Englander quer retratar, e consegue com frescor e sem pedantismo, é apresentar a falta de respeito, a ignorância e os demônios do passado que assolam os judeus; medo de que as longas perseguições retornem e os castigue mais uma vez.

Vamos conhecer um pouco mais cada um dos contos:

'Do que a gente fala quando fala de Anne Frank' - Debbie e seu esposo recebem a visita de uma amiga de escola, Lauren, e seu marido, Mark. Agora morando em Jerusalém, o casal visitante é considerado ultra-ortodoxos, mas em uma conversa regada a bebida e maconha, os quatro conversam sobre a diferença cultural entre Israel e Estados Unidos. Mais que isso, o grupo revive um jogo de infância, o jogo de Anne Frank, em que especula qual dentre seus amigos não-judeus os salvaria no caso de um segundo Holocausto.

'Colinas irmãs' - Um pouco enfadonho, o conto fala sobre duas vizinhas, Rena e Yehudit, em um assentamento ilegal em Israel, e na luta pela conquista do lugar, em meio a conflitos armados. A vida de ambas muda por conta de uma superstição alimentada por uma das mulheres: ela deve vender a filha doente à vizinha por uma ninharia, para que o Anjo da Morte não a possua.

'Como vingamos os Blum' - A história, aparentemente a mais comum e uma das mais interessantes do livro, narra à história do típico garoto nerd que sofre bullying, mas que tem como diferencial o fato de ser judeu, estudar em uma Yeshivá, escola tradicional judaica. O problema é que querem se vingar do antissemita, e com isso, passam a ter aula de luta e defesa com um judeu russo, veterano de guerras e do exército de ambos os países.

'Peep Show' - Bem construído, este conto causa incômodo ao abordar de maneira grotesca um jovem judeu que abriu mão de suas ideologias, religião, crença e cultura para ser um homem comum, sem rótulo de judeu, ou judeu que se relaciona com gentio, e as consequências de sua escolha.

'Tudo o que sei sobre o lado materno da minha família' - Biográfico, o conto explica de maneira criativa, porém confusa, histórias sobre a família de Englander, cercada de tragédias. Um conto com potencial, mas que se perdeu no caminho.

'Campo do Pôr do Sol' - Embora estranho, este conto é ótimo, e hilário, talvez pelo fato de eu gostar de personagens idosos inteligentes e sarcásticos, ou ranzinzas, o que importa é que o conto se mostrou surpreendente, ao narrar as aventuras de Josh em seu primeiro ano como diretor de uma pousada de idosos, e a suspeita de uma idosa em que, no meio deles há um nazista.

'O leitor' - O mais triste da coletânea, o conto aborda a relação autor x escritor, ao trazer Autor, um dia um escritor de sucesso, mas hoje um mero escritor com um lançamento que ninguém acompanha em suas leituras e noites de autógrafos.

'Frutas de graça para jovens viúvas' – No mais chocante dos contos, o foco é a história do professor Tendler, um homem com um passado desastroso, que o machucara e o fizera tomar as mais assustadoras atitudes para sobreviver às intempéries. E tais escolhas devem hoje ser perdoadas, ou não.

Uma coletânea com altos e baixos, muitas intenções e alguns deslizes, Do que a gente fala quando fala de Anne Frank acerta em abordar as contradições e preconceitos humanos, mas erra em querer apresentar uma sequência de tragicomédias que beira o absurdo. Um pouco de dosagem e lapidação cairia bem.

Este livro faz parte do projeto 'Lendo Pulitzer'. Mais em:

site: leiturasedesafios.blogspot.com
comentários(0)comente



1 encontrados | exibindo 1 a 1


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR