Clara 07/05/2011
A Hedra lança sua edição de “Um Sussurro nas Trevas” (The Whisperer in Darkness) o terceiro livro de H.P. Lovecraft pela editora; o primeiro foi “O Chamado Cthulhu e Outros Contos”, o segundo “A Sombra de Innsmouth” .
Escrita em 1930 trata-se de um texto da fase madura de Lovecraft (falecido em 1937) e relativamente longo, se compararmos com os trabalhos anteriores do autor.
A leitura de “Um Sussurro…” traz todas as características fictícias da obra de Lovecraft: as referências aos “Grandes Antigos” (Great Old Ones), a expectativa diante das revelações feitas pelas descobertas dos personagens principais, descobertas essas que seriam suficientes para “transformar em um Dante ou em um Poe qualquer homem capaz de manter o juízo tempo suficiente para relatar o que viu”.
E a história tem ainda o atrativo de um clima de verdadeiro “terror cósmico”, quase de ficção científica, por conta da descoberta de que os seres que atormentam a vida de um dos protagonistas (um velho solitário que vive em uma pequena cidade no estado de Vermont, nos Estados Unidos) vêm de outro planeta e que possuem uma maneira muito peculiar de transportar humanos para seu mundo de origem.
Assim como os dois livros anteriores, “Um Sussurro…” tem tradução de Guilherme da Silva Braga (que traduz o texto principal e também cartas e/ou artigos de Lovecraft presentes no Apêndice) e ainda escreve a Introdução em cada um dos livros.
Introdução e Apêndice funcionam como espécies de “extras” nos moldes dos filmes em DVD (conforme a comparação da Anica em uma resenha) e se transformam em verdadeiros presentes para os fãs de Lovecraft, principalmente para os que não têm acesso aos livros publicados sobre o autor, como aqueles que tratam de sua famosa correspondência (que, dizem, chegou à casa dos milhares em número de cartas trocadas).
Sem exagero afirmo que as introduções, presentes nos três livros editados pela Hedra, mereceriam uma resenha a parte, já que nos coloca a par de alguns detalhes da vida de Lovecraft e de como estes influenciaram sua obra; como saber que ele era oriundo de uma família tradicional de Rhode Island (que acabou por decair economicamente) e Lovecraft, que apesar de ateu era apaixonado pelas tradições e história de sua família e de sua cidade natal, com horror viu essas mesmas tradições e história serem engolidas pelo progresso e pela “nova aristocracia” formada por industriais e banqueiros.
As introduções funcionam não apenas como uma análise do texto mas também como fio condutor nas relações entre as histórias, personagens e os mitos criados por Lovecraft.
“Um Sussurro nas Trevas”, embora H.P.Lovecraft seja um de meus autores favoritos, é uma história que, ao contrário dos outros escritos do moço de Providence, eu sempre evitei reler, sem no entanto nunca parar para pensar nos motivos que me levavam a (não) fazer isso.
É sabido que a maioria das pessoas tem dificuldade em discutir ou mesmo admitir que seu escritor favorito, em algum momento da carreira, escreveu uma história ruim ou não tão boa como as outras; ou ainda uma história que tinha tudo para ser bacana do começo ao fim, mas que foi um pouco prejudicada por um (às vezes mais de um) deslize como uma final meia-boca, acontecimentos incongruentes e personagens mal construídos ou simplesmente irritantes em suas atitudes.
Isso sempre se aplicou a mim no que se refere a um “Um Sussurro…” por conta de um dos personagens principais, Albert Wilmarth, professor universitário de literatura (da Universidade de Miskatonic, é claro!) no início, com sua teimosia em aceitar como verdadeiros os acontecimentos narrados por seu correspondente, o solitário Henry Akeley, e, logo em seguida, assim, sem mais aquela, a parvoíce do personagem em decidir ir até as colinas de Vermont (ao que parece) acreditando em uma mudança (mega radical) no comportamento de seu amigo, que conhecia apenas através das cartas que trocavam.
Mais não posso falar sob o risco de revelar algo importante.
Informo porém que este “deslize” de Lovecraft na composição do personagem não desmerece a história em nada, talvez incomode um pouco os fãs de histórias de terror (chatos assim) como eu, mas a estes recomendo fortemente que leiam, no final do volume, em Apêndice, o ensaio escrito por Fritz Leiber (e publicado em 1964 na revista Haunted) “O Sussurro Reconsiderado” excelente texto sobre a “Um Sussurro nas Trevas” e sobre Lovecraft.
E, agora que peguei o gosto por essas edições bacaninhas, fico aguardando que a Hedra nos dê mais Lovecraft; se possível: “Nas Montanhas da Loucura” e o onírico “A Procura de Kadath”.
(Publicado originalmente no blog "Meia Palavra")