Gabriel Archanjo 09/05/2017
A TRANSFIGURAÇÃO DA MEGERA EM LADY.
A MEGERA DOMADA.
Peguei este livro na biblioteca municipal porque queria muito ler alguma coisa de Shakespeare que não fosse tão trágica como "Romeu e Julieta" nem tão forte como "Hamlet". Daí alguém, não lembro mais quem, recomendou-me a leitura de "A Megera Domada", e graças aos céus, segui a recomendação e não me arrependi.
Tão logo iniciei a leitura, tive uma grata surpresa: já conhecia a trama! Sim, ela foi televisionada por Walcyr Carrasco, em releitura, sob o título de "O Cravo e a Rosa", novela de época das seis da Rede Globo.
A personagem megera é a Catarina, uma jovem paradoxal: cara de anjo e gênio do cão! Ela é agressiva, impetuosa, altamente feminista no começo, tentando provar a todo custo, que jamais dependeria sentimentalmente de um homem.
Catarina, sendo a primogênita, deveria casar-se primeiro, após, casaria Bianca, a mais nova, o oposto da irmã, não em beleza, mas em personalidade: doce, meiga, simpática, afável. Todos queriam sua mão, mas o pai, chamado Batista Minola, o lorde de Pádua, só permitiria o casamento dela depois que Catarina casasse. o que gerou total alvoroço na cidade, pois ninguém estava disposto a desposar Catarina, a megera. Ela até compadecia-se da irmã, porém, jamais mudaria sua personalidade ou faria um gesto altruísta, nem que fosse por sua querida irmãzinha. Catarina jamais se curvava!
Bianca tinha dois pretendentes aos seus pés, mas como não poderia casar-se de imediato, os dois tratavam de arranjar o quanto antes um pretendente a Catarina.
Esta é, a propósito, uma das melhores e mais cômicas partes do livro. A busca dos dois por um homem a altura de Catarina.
Todavia, as coisas mudam de sentido quando um jovem, nobre em decadência, chamado Petrucchio chega à cidade. Induzido por Hortêncio e Grêmio, o jovem apresenta-se a casa de Batista para pedir a mão de Catarina, que sem pestanejar, é concedida.
Mas, conquistar Catarina era uma tarefa nada simples! Para isto, ele usa psicologia reversa, ou seja, reage com docilidade a toda agressividade dela.
Assim, Shakespeare abusa das ironias, figura de linguagem sempre presente na fala das personagens. Como é bem peculiar da comédia de costumes, a peça satiriza as tradições e as situações rotineiras daquele contexto social, permitindo avaliar o comportamento e a psiquê da época. Pode-se perceber a crítica quanto ao fato do primeiro casamento ser o da irmã mais velha, da necessidade da permissão paterna para a união de um casal, e sobretudo, a subserviência da filha ao pai e ao marido, ou seja, a submissão total da mulher ao homem.
Com o desenvolver da peça, Catarina vai sendo amansada, literalmente domada por Petrucchio que apaixona-se por ela também. Outra parte de relevância da trama é que surge um terceiro pretendente à Bianca, Lucêncio, um universitário. Ele fica sabendo que Batista busca um tutor para as filhas, e assim disfarça-se, para conseguir se aproximar dela, pois já encontrava-se apaixonado desde a primeira vez que a viu na cidade. Essa estratégia de disfarce é copiada por Hortêncio, que finge ser um tutor de música chamado Lítio.
Por fim, é com ele, o pobre universitário disfarçado que Bianca casa as escondidas, e é perdoada pelo pai no desfecho.
Esta é uma obra leve, com nuances verdadeiramente cômicas em se tratando de matrimônio, posição social da mulher e os bastidores de um casamento. O ato matrimonial em si é divertidíssimo. O que resultou certo desconforto foi que, no desfecho, Catarina já completamente "domada", faz um discurso sobre a "mulher ideal", e isto não ganha nota satírica, e sim uma espécie de aconselhamento. Catarina é convertida aos padrões sociais da mulher, porque, de acordo com Shakespeare em sua obra, a transfiguração da megera em lady só ocorreu por amor.