Thay262 22/11/2023
Classificamos-lhe como o “Pai da Fantasia Moderna!”, porém, não é difícil notar oque Tolkien tentou performar:
Tolkien é inovador ao se propor a compor uma pseudo-mitologia (artificialmente) fantástica, com elementos detalhados porém caricaturais, geralmente imitando a estrutura de mitologias reais.
P.S: só estou chamando a obra de Pseudo-mitologia, pois uma mitologia é conjunto dos mitos que representa um povo real como coletivo. E a obra de Tolkien é uma fantasia, criada por uma só mente, embora seja montada de modo a simular uma Mitologia (artificial).
Vejamos, por exemplo, na Mitologia Nórdica temos a A Edda Poética/Codex Regius (sobre elementos mitológicos e heroicos da tradição nórdica, poemas, lendas, deuses, etc), depois há a Poesia Skáldica (poemas de louvor que promovem seus protetores da boa herança, como reis e grandes líderes e governantes). E depois as Sagas (Sagas dos Dias Antigos, Saga dos Reis, Saga dos Cavaleiros).
Ou mesmo como a Mitologia Grega; tem como nomes principais, Hesíodo, Homero e Virgílio. Primeiro, temos a teologia de Hesíodo (sobre a criação dos deuses), depois os hinos de Homero (cada um dedicado a um dos deuses) e depois vêm lendas e mitos épicos como a Ilíada e a Odisseia (também de Homero, guerra de troia e mitologia grega). Depois temos a Eneida (saga de Eneias, um troiano que é salvo dos gregos em Troia) e as Geórgicas de Públio Virgílio (sobre conhecimentos do mundo). Todos os rascunhos greco-romanos mais antigos da mitologia grega, em textos com estilos que chamamos de Elegia, Drama (poético ou satírico) e Épico (ou Epopéia).
Em Tolkien temos a criação do universo Eä [na primeira parte chamada Ainulindalë, que nada mais é do que um mito da criação]. Seguido por Valaquenta, que basicamente conta uma descrição dos Valar e Maiar (como entidades deificadas da Eä, bem como suas naturezas e o poder de cada um). Segue-se então com o Quenta Silmarillion (que explica as principais complicações e guerras antes e durante a Primeira Era, como as Silmarils que dão nome ao livro, bem como questões relativas às terras de Valinor, Beleriand, Númenor e Terra-Média). Então segue-se, Akallabêth narrando A Queda de Númenor e seus habitantes (que é inspirada na queda da Atlântida, o relato mais antigo dela vem do grego Platão. E Tolkien, em cartas, não nega, indo tão longe como chamar Númenor da Atlântida em varias delas). Finalmente, a Segunda e a Terceira Eras, sendo a Terceira representada em O Hobbit e O Senhor dos Anéis.
Tolkien realmente não teria muita dificuldade em organizar uma obra como essa, pois era professor universitário de língua anglo-saxônica, historiador e também filólogo. Não há como negar que Tolkien foi um gênio que se dedicou ao seu “hobby” com energia, dedicação e entusiasmo (vide A Natureza da Terra-Média). O que ele criou é verdadeiramente digno de ser publicado postumamente e lido pelas gerações vindouras. É um universo com mitologia própria, e também dividido em três grandes períodos de Eras (quatro, até), com geografia própria para cada um (O Atlas da Terra Média), e povos próprios com suas histórias, sem falar nas línguas. Realmente, um universo grande; Tolkien dedicou TODA a sua vida a compor isso. Mesmo que ele não tenha tido a chance de lançá-lo em vida.
E por outro lado, o “grande e profundo universo” limita-se aos apêndices de Senhor dos Anéis e livros póstumos publicados pelo filho do autor (e outros autores), tanto quanto as Cartas. Obviamente, o universo de Tolkien é vasto, o autor literalmente passou sua VIDA tentando torná-lo conciso e interessante a tal ponto que ele não conseguia nem publicar suas criações em vida porque nunca estava bom o suficiente para ele. No fim, Tolkien deixou intermináveis rascunhos para serem organizados por terceiros.
Contudo, é necessário fazer esta divisão; A questão que os próprios fãs relutam em entender, o que foi publicado durante sua vida, o que foi preservado como rascunhos e publicado após sua morte (organizado por terceiros, não há estória absoluta porque Tolkien deixou muitos rascunhos, incluindo aqueles que contradizem-se), assim como precisamos distinguir entre o que é inspiração e mera influência (por exemplo, as cartas, onde Tolkien mudou de ideia diversas vezes ao longo da vida e não necessariamente tudo o que ele diz nelas colocou na obra, ou seja, inconsistências são criadas).
O próprio “O Silmalillion” só esta assim tão coeso porque o filho de Tolkien, que editou, admite: “selecionei e organizei de tal maneira que me parecesse produzir a narrativa mais coerente e com consistência interna”, oque significa que havia diversos outros rascunhos e outras variações da estória discrepantes. Dai ele publicar depois a coleção de 12 livros “A História da Terra-Média”, e outros livros póstumos onde oferece-nos a leitura de mais de uma versão dos rascunhos, ao invés de escolher oque ele achou melhor (e também como vemos em Contos Inacabados, e todos os outros depois dele).
Devo elogiar o feito “hercúleo” que o autor, e os outros que assumiram a tarefa de lançar postumamente, tentaram realizar: tornar sua fantasia coerente e o mais próxima possível de uma pseudo-mitologia, assim tenta introduzir complicações que parecem complexas em termos de mundo e trama, e isso é super interessante e instigante de ler (é oque torna os livros tão legais, ainda que a linguagem seja mais arcaica).
Mas há coisas que acho que enfraqueceram o trabalho: ter esses “senhores sombrios” de forma maléfica apresentados de forma tão caricatural! O nefasto, como maldade, é externo, e o único lugar onde se encontra é na tentação de personagens outrora honestos, que padecem por mesquinhez, corrompidos por algum sentimento danoso (como necessidade de poder, ganancia, inveja, soberba, arrogância, egoísmo, orgulho, etc).
PONTO NEGATIVO: sempre que ouvem que “o universo de Tolkien está dividido de forma dual”, em duas naturezas, de “bem versus mau”, respondem dizendo que “não, até porque os personagens fazem coisas boas e coisas ruins, oque lhes confere moralidade profunda”. Mas o fato dos personagens de Tolkien terem ações duvidosas e moralmente "cinzentas" (como a rebelião de Fëanor e seu povo contra os "deuses" e seu exílio de Valinor), isso não muda o fato de que seu universo é, em termos criacionistas mitológicos, um tanto dual na maneira como trata o bem e o mal…
...No final, ninguém sairá da história pensando que Morgoth/Melkor estava certo, ou que Sauron era apenas alguém incompreendido. Pelo contrario, a trama os elenca como vilões sem que realmente seja dado a oportunidade do leitor pensar sobre o assunto (eles são vilões, vão causar caos ao longo das Eras, manipular e corromper quem puderem, ponto final). É aí que entra a dualidade no mundo de Tolkien, oque os personagens tem não é “moralidade complexa” é livre-arbítrio para escolher oque fazer e que caminhos trilhar, num mundo que tem bem e mau bem dividido, só isso.
Isso torna a Pseudo-mitologia de Tolkien completamente caricatural ao elencar figuras nefastas como más em absoluto, sem muito desenvolvimento para explicá-las ou dar-lhes mais profundidade que isso (sumariamente isso não existe na mitologia grega [Zeus não é um Bom Samaritano enquanto Hades é um ser vil, nem existe tal coisa entre Zeus e Áries], e também não existe isso na Mitologia Nórdica), daí não gostei que Tolkien faça isso com Morgoth/Melkor e Sauron.
Eu teria outras criticas, mas elas se relacionam com as Cartas de Tolkien e outros livros e não só com esse. Então vou me eximir de fazê-las aqui (talvez eu fale a respeito no meu blog, caso isso me inquiete por mais tempo, porque é realmente algo que me incomoda sobre a concepção do universo Tolkien).
CONCLUINDO: Tolkien foi fantástico autor justamente por se desafiar a criar uma mitologia, e não só uma fantasia. Alguém realmente fica surpreso sobre porque há legiões de fãs fascinados na obra dele?
site: entulhandoideiasdiversas.blogspot.com/