Alan Martins 23/01/2018
As origens do Legendarium
Título: O Silmarillion
Autor: J. R. R. Tolkien
Editora: WMF Martins Fontes
Ano: 2011 – 5ª Edição
Páginas: 480
Tradução: Waldéa Barcellos
Veja o livro no site da editora: http://www.wmfmartinsfontes.com.br/produto/96-silmarillion-o
“[…] para aquele que é impiedoso, os atos de compaixão são sempre estranhos e estão fora do alcance de sua compreensão” (TOLKIEN, J. R. R. O Silmarillion. WMF Martins Fontes, 2011, p. 319)
O universo de ‘O Senhor dos Anéis’ é muito rico, cheio de detalhes. Nesse livro, o enredo se passa na Terceira Era de Arda, como é chamada a Terra. Porém, há muita história sobre o que aconteceu em Eras passadas, e tudo isso está relatado em ‘O Silmarillion’, uma espécie de bíblia do legendarium, a mitologia criada por Tolkien.
TRABALHO DE PAI E FILHO
Em 1937, ‘O hobbit’ foi publicado, o primeiro livro que nos fala sobre a Terra-média. Entretanto, Tolkien já havia escrito esboços sobre esse universo desde 1917. O trabalho de sua vida foi criar uma mitologia nova e rica em detalhes.
Ele utilizava muitas anotações para guiar-se ao escrever seus livros, pois seria bem fácil se perder entre tantos detalhes. Foram essas anotações, manuscritos inacabados, anotações a lápis em cadernos e outros materias que Christopher, filho mais novo de Tolkien, utilizou para compor o livro ‘O Silmarillion’ como conhecemos hoje.
Trata-se de uma publicação póstuma. Christopher foi o herdeiro literário de seu pai, já que era o mais íntimo de suas obras, o que possuía maior conhecimento sobre o legendarium. Após muita pesquisa e um grande trabalho de edição, com a ajuda de Guy Gavriel Kay, Christopher publicou em 1977, quatro anos após o falecimento de seu pai, ‘O Silmarillion’, o pilar da mitologia tolkieniana.
“[…] quando os Sábios tropeçam, a ajuda costuma vir das mãos dos fracos p. 384
COMO TUDO COMEÇOU
É muito evidente que a ‘Bíblia cristã’ e o ‘Edda em prosa’ foram duas grandes influências nas obras de Tolkien. Fato que fica ainda mais claro ao se ler ‘O Silmarillion’. Características peculiares da escrita bíblica são encontradas no livro, além de muita inspiração nos deuses nórdicos, a forma do mundo e da composição de todo universo.
Tudo tem início quando Ilúvatar, a divindade suprema, cria uma espécie de seres angelicais, os Ainur, que irão dar forma ao mundo, chamado de Arda. Dentre os Ainur, os de maior poder são chamados de Valar, senhores de Arda, que residem nas Terras Imortais, o continente de Valinor, a oeste da Terra-média.
Arda é preparada para receber os filhos de Ilúvatar, primeiramente os elfos, seres de grande poder, que são imortais (não são acometidos pela idade avançada ou por doenças, só podem ser mortos de forma violenta), que se tornam amigos dos Valar. Posteriormente temos a chegada dos homens, seres mortais e menos poderosos que elfos. Também é narrada a origem dos anões e dos orcs.
Dentre os Valar, o mais poderoso é Melkor (chamado posteriormente de Morgoth), que se rebelou e decidiu habitar a Terra-média, com o desejo de subjugar homens e elfos, tornando-se o primeiro Senhor do Escuro. Dessa forma, a história da criação do mundo é contada até os dias da Terceira Era, período em que os eventos de ‘O Senhor dos Anéis’ acontecem.
“Foi longa sua labuta nas regiões de Eä, que são vastas para além do alcance de elfos e homens, até que, no momento previsto, foi criada Arda, o Reino da Terra”. p. 15
NARRATIVA DIFERENTE
Quem já leu ‘O hobbit’ ou ‘O Senhor dos Anéis’ irá notar a diferença no estilo de narrativa em ‘O Silmarillion’. Trata-se de um estilo muito mais sombrio e sério, sem o humor das histórias dos dois primeiros. Podemos dizer que a narrativa é até mesmo mais violenta, afinal são tempos violentos, com as guerras entre os filhos de Ilúvatar e Morgoth.
Antes de ler as obras de Tolkien, li o ‘Edda em prosa’, a “bíblia” da mitologia nórdica. E é incrível notar as inspirações do autor. Os Valar são muito parecidos com os deuses nórdicos, uns mais poderosos que os outros, há uma espécie de hierarquia.
Até mesmo a composição de capítulos, onde cada um narra uma história distinta, sempre de forma contínua, desenvolvendo o enredo. Praticamente a origem de tudo o que existe no universo de Tolkien é descrito. O início fala sobre a criação dos Ainur, de Arda, e o decorrer do tempo até o fim da Primeira Era. Apenas um acontecimento da Segunda Era é narrado, a queda de Númenor, um reino de homens poderosos. Também existe um capítulo sobre eventos da Terceira Era, muito breve.
Muitos podem achar a leitura de ‘O Silmarillion’ difícil, devido ao grande número de nomes e detalhes, e não vou negar isso. Ademais, é um livro muito narrativo, com poucos diálogos, outra diferença, ao compararmos com os livros citados no início do tópico. Apesar disso, o enredo empolga, mostrando-se muito interessante, sendo divertido conhecer a história da Terra-média. Algo que pode ser um ponto negativo é uma espécie de repetição. Sempre ocorre uma desgraça às personagens principais, e quase sempre da mesma forma. Depois de um tempo você até já espera isso ocorrer.
“Ele, assim, determinou que os corações dos homens sempre buscassem algo fora do mundo e que nele não encontrassem descanso; mas que tivessem capacidade de moldar sua vida, em meio aos poderes e aos acasos do mundo […]” p. 36
SOBRE A EDIÇÃO
Edição comum, brochura, capa com orelhas, páginas em papel de tonalidade amarelada (bom para leituras longas) e uma diagramação excelente, com margens bem amplas. Uma edição de qualidade muito superior às edições comuns de ‘O Senhor dos Anéis’.
Waldéa Barcellos foi a encarregada para a tradução, contando com a ajuda e revisão técnica de Ronald Eduard Kyrmse, especialista nas obras de Tolkien e membro da Tolkien Society. Não há o que reclamar dessa tradução, texto coeso e com muito menos adaptações de nomes próprios do que o que aconteceu em ‘O Senhor dos Anéis’.
Essa edição possui alguns conteúdos extras, que são as árvores genealógicas das personagens, uma explicação sobre a pronúncia dos nomes, um glossário de todos os nomes citados no enredo e mapas de Beleriand, local onde a maior parte dos acontecimentos narrados ocorrem.
“Quisera que as árvores falassem em defesa de todos os seres que têm raízes, e castigassem aqueles que lhes fizessem mal!” p. 42
CONCLUSÃO
É divertido conhecer as origens da Terra-média e obter maior compreensão do que foi lido em ‘O hobbit’ e ‘O Senhor dos Anéis’. Com uma narrativa mais sombria, ‘O Silmarillion’ conta com mais ação e um pouco mais de violência, mantendo o nível de detalhamento que as obras de Tolkien possuem. O grande número de nomes pode deixar a leitura difícil, porém não é tão complicado assim, o glossário pode ajudar bastante. Livro de poucos diálogos, mas com narrativas variadas, contendo até mesmo uma tragédia romântica, digna dos teatros gregos. Quem aprecia as obras do autor, vai gostar de conhecer mais detalhes sobre sua mitologia, mas nada impede que um leitor comece por esse livro, o que pode ser positivo, pois verá várias personagens reaparecerem nas histórias de Bilbo e Frodo.
“E assim, por meio de mentiras, rumores maldosos e conselhos falsos, Melkor atiçou os corações dos noldor para a luta; e de suas contendas, com o tempo, resultou o fim dos belos dias de Valinor e o crepúsculo de sua glória antiquíssima”. p. 76
Minha nota (de 0 a 5): 4
Alan Martins
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