Dani 03/11/2020Uma narrativa épica em moldes bíblicos contando toda a origem da Terra Média publicada postumamente. Sim, não é uma obra finalizada, e mesmo assim é genial. Não consigo nem imaginar como seria essa obra completa, se do jeito que está já foi praticamente o trabalho de uma vida inteira do autor, o maravilhoso J. R. R. Tolkien. Christopher Tolkien, seu filho mais novo, foi quem fez o minucioso trabalho de compilação e organização desses textos para serem apresentados aos leitores comuns. Que privilégio.
Tinha a intenção de fazer essa leitura desde a primeira vez que li Senhor dos Anéis, mas nunca me parecia ser o momento certo. Resolvi dar continuidade à visita à Terra Média depois de revisitar a história de Frodo e da Comitiva pela primeira vez desde aquela época, o que com certeza foi a melhor leitura deste ano difícil que está sendo 2020. Senhor dos Aneis me tocou de tal maneira que até agora acho difícil falar sobre ele, mas a emoção que O Silmarillion me proporcionou é muito maior.
Tendo a noção de que na filosofia, mitos são entendidos como narrativas de que tem por objetivo explicar a origem e a existência das coisas, e que uma de suas características principais é que sua aceitação decorre da fé e da crença (e não da racionalidade), o que Tolkien nos apresenta em O Silmarillion são mais do que apenas as histórias da Criação de Arda, mas sim toda a mitologia de um universo extremamente complexo criado por ele, que contextualiza as diferentes línguas que ele tanto gostava de criar.
Começando pelo princípio do princípio, com a canção que dá vida ao universo, a corrupção de Melkor - um dos seres angelicais que deseja dominar os FIlhos de Ilúvatar (o Deus único) -, passando pelo nascimento dos Elfos e dos Homens, e assim suas interações e desavenças, bem como a criação das Silmarils, as joias que tem em seu interior a luz sagrada, o roubo das pedras por Melkor, e a destruição que ele propaga pela Terra Média, a saga dos Elfos para recuperar as Silmarils, a queda de Númenor, remetendo ao mito de Atlântida, e a ascensão de Sauron, levando aos acontecimentos de Senhor dos Anéis. São ao total cinco textos diferentes, alguns de maior extensão, mas todos com a riqueza de detalhes pela qual Tolkien é conhecido, e com a emoção viva em cada página.
Pessoalmente, destaco como favoritos o Ainulindalë e o capítulo que conta a história de Beren e Lúthien. Ambos repletos de emoção e que mexem profundamente com meu coração.
O Ainulindalë conta o princípio de tudo, com ênfase na grande Música dos Ainur que leva à criação de Arda, e a repercussão da corrupção de Melkor. É um texto curtíssimo, de apenas nove páginas, mas retrata um momento imensamente comovente.
"(...) e a música e o eco da música saíram para o Vazio, e este não estava mais vazio."
Já a história de Beren e Lúthien retrata o amor entre um Homem e uma Elfa, que apesar de todos os obstáculos e provações se amam para além da vida. Não pude não relacionar o fim desse capítulo com a famosa frase de Arwen para Aragorn no filme: *I would rather share a lifetime with you than face all the ages of this world alone* (prefiro compartilhar uma vida com você a encarar sozinha todas as eras deste mundo).
"Entre os relatos de dor e destruição que nos chegaram das trevas daquele tempo, existem ainda alguns nos quais, em meio ao pranto, há alegria, e sob a sombra da morte, luz duradoura. E dessas histórias a que ainda parece mais bela aos ouvidos dos elfos é a de Beren e Lúthien."
Vale ressaltar que a obra do Silmarillion é muito maior do que apenas essas passagens. É um livro que mostra a disputa por poder, mostra a ascensão e queda de um universo que eu com certeza gostaria de habitar. Simplesmente épico.