Edu_Andrade 15/05/2022
O Silmarillion é uma obra atípica da mitologia “tolkieniana”. De fato, se este romance de fantasia traça a história da Terra Média desde sua criação até os eventos que precederam os de O Hobbit e O Senhor dos Anéis, é sobretudo uma obra póstuma publicada quatro anos depois da morte do autor. O projeto de Tolkien era maior e ficou inacabado, o que nos é apresentado aqui é uma coleção de lendas formando um todo coerente, assemelhando-se a um afresco cronológico, ao contrário dos contos perdidos e dos 12 volumes da História da Terra-Média, que reúnem os textos deixados por J.R.R Tolkien. No entanto, não se trata simplesmente de nomear e resumir os vários eventos que ocorreram neste mundo imaginário à maneira de um livro de história. Estes acontecimentos estão relacionados através dos destinos dos diferentes protagonistas, cada uma das personagens influencia a história deste mundo tanto quanto a ela estão sujeitas, muitas vezes é necessário durante a leitura fazer referência aos vários apêndices, em particular à árvore genealógica e o mapa da Terra-Média localizado no final do livro.
O Silmarillion nos auxilia a desvendar o mistério das origens de certos personagens de O Senhor dos Anéis, como Gandalf e Sauron, e a conhecer a genealogia da maioria dos principais protagonistas elfos e humanos. Este livro é, portanto, uma continuação de O Senhor dos Anéis, trazendo uma nova perspectiva. Mas se este livro é de fato muito interessante para quem se interessa pela história da Terra-Média, ele também tem qualidades próprias que justificam sua leitura. Em primeiro lugar, a grande coerência entre as histórias que se entrelaçam para formar um todo e que faz com que nenhuma delas pareça supérflua em relação às outras faz com que o leitor queira lê-las na íntegra e não apenas buscar eventos referentes a O Senhor dos Anéis. Sua grande complexidade de roteiro e as ligações entre os personagens exigem muita atenção na leitura. A narração é apresentada sob a forma de contos contando as façanhas e infortúnios dos vários protagonistas, o que reforça a atmosfera heroica medieval da obra.
Todos os personagens têm uma personalidade complexa e um papel a desempenhar. Este é o caso, por exemplo, de Faënor, que é um gênio criativo e um herói durante a guerra contra Morgoth, mas também um homem invejoso e arrogante que apressa a queda de seu povo e sua família.
Muitos temas são abordados nesta obra, muitos personagens são vítimas de sua própria arrogância ou de sua sede excessiva de riqueza ou poder, Túrin provoca a queda de Nargothrond ao incitar seu povo a sair em plena luz do dia para combater o inimigo. Da mesma forma Thingol, um rei porém até então muito sábio, deixa-se seduzir pela beleza e pelo poder das Silmarils.
As histórias nos encorajam a permanecer humildes e não sermos cegos por nossos desejos. Muitas referências culturais também podem ser encontradas ali, sejam bíblicas ou mitológicas, na verdade a atitude de Melkor, o mais talentoso de todos os Valar que tenta levantar uma rebelião contra seu Pai por ciúmes dos Elfos e dos humanos. é uma reminiscência de Lúcifer, da mesma forma o reino submerso de Númenor é uma reminiscência de Atlântida. O fato verdadeiramente perturbador nesta obra é o lugar preponderante da hereditariedade no destino dos personagens, de fato os personagens de filiação "má" parecem estar perpetuamente condenados a trair seus amigos ou seu povo. É o caso de Maeglin, filho de um elfo negro, cujo povo nunca viu a luz de Valinor, que primeiro trai seu pai e depois seu tio e provoca a queda de Gondolfin. Também é explicado que, além das três grandes famílias humanas, os elfos não confiam em outros povos, pois seus ancestrais os traíram.
O Silmarillion é uma obra complexa que, embora ligada ao Senhor dos Anéis, consegue se destacar e seduzir o leitor graças às suas próprias qualidades. Este livro pode, portanto, ser lido tanto por prazer quanto para aprender mais sobre o universo da Terra-Média.