otxjunior 24/05/2021A Luz entre Oceanos, M. L. StedmanAgatha Christie, sob o pseudônimo de Mary Westmacott, escreveu pequenos romances piegas que giram em torno de um dilema moral. Mas, tendo a autora noção de ritmo e concisão ímpar, suas novelas não são maiores que o necessário. Por outro lado, o trabalho de estreia da conterrânea de Christie, M. L. Stedman, peca ao tentar explorar repetidamente todas as possibilidades do conflito principal ou as metáforas com farol que existem. O que se esgotar primeiro.
O protagonista é o clássico veterano de guerra, com um passado sombrio, isolado em seu trauma de sobrevivente. Que até poderia ser de fácil identificação se não fosse, como mais de um personagem garante em vários momentos, tão bom. Quase um Jesus Cristo, cujos agentes desviantes também são figuras femininas. Pois é Isabel, sua esposa, quem transgride a lei sob justificativas especialmente religiosas. O aspecto de mitologia, ou conto de fadas, ainda é reforçado pelo paraíso particular onde vivem em isolamento social estrito, apenas sob a vigilância de Deus e de um farol de quarenta metros. Embora este não ilumine as proximidades, é referência absoluta para a ilha sem estradas. Esta inclusive deve ser minha metáfora faroleira favorita do livro.
Apesar das inúmeras tragédias, que todos os personagens do romance sofreram no passado e que ganham reflexo no presente, ou pelo menos os mais compreensivos, numa relação "só quem sofreu, sabe" absurda, acabei me afeiçoando mais por quem é de fato a maior vítima em histórias desse tipo, a criança, ou para citar o pior palavrão dito pelos personagens, a filha da mãe (resta saber qual mãe). A propósito, ninguém fala assim. Nem no início do século passado, ou na Austrália!, ou ainda fora de uma telenovela, em que assuntos de árvore genealógica e frases como "Você é a minha outra metade do céu, melhor do que todas as estrelas juntas." são comuns.
Dito isso, a complexidade intrínseca às questões tratadas permanece um dilema interessante. E a autora é competente ao dissecar as consequências das escolhas morais que os personagens encaram aqui, inclusive evitando muitas vezes a opção mais sensacionalista, principalmente no desfecho singelo e até bonito. Vindo de um leitor cínico, o saldo geral não foi negativo.