Gramatura Alta 11/08/2017
Cinderela. É um nome curioso, para dizer o mínimo, que poucos prestam atenção. No live action lançado pela Disney em 2015, com Lily James como protagonista, eles brincaram de forma interessante com o nome desta princesa já conhecida por todos nós. Cinder, no dicionário inglês, tem um significado. Indo do substantivo ao verbo, cinder se atrubui às cinzas, à brasa, à escória; também é conhecido como reduzir a cinzas e cremar, incinerar.
Cinzas. Literal e figuradamente, cinza é o pó que sobra depois de uma combustão completa e é a forma de outrora, de um tempo que não é o hoje, que ficou no passado, e é o sentimento nostálgico que olhar para trás nos inspira. É a desolação e a cor que se estabelece entre o preto e o branco. Refletindo sobre todos os aspectos que as cinzas espelham, o nome do livro e da personagem faz sentido, principalmente quando a Cinderela vira a gata borralheira de sua família.
Cinder, Cinderela... não há muita diferença no nome e nem no roteiro. Cinder também tem irmãs, também tem uma madrasta má, também trabalha feito uma condenada para servi-las e é constantemente humilhada e desprezada. Mas as características comuns terminam aí.
Todos os personagens possuem particularidades e identidades mais humanas e, mesmo que o livro se passe em mundos de fantasia, mais reais. Não há aquela perfeição predominante de contos de fadas de muitos livros por aí: temos a caracterização de cada um que participa da história, fugindo do padrão a que estamos acostumados, e que faz todos os personagens se parecerem e acabarem se confundindo por terem a mesma aparência. A própria Cinder, por exemplo, não é uma moça alta e bonita que canta e encanta os pássaros e os ratinhos. Não. Ela é uma ciborgue – metade humana e metade robô. Seus cabelos são de um loiro escuro com pé no castanho, sua pele é de um tom moreno e ela é o que hoje chamamos de mecânica - ela cuida dos robôs, androides e dos eletrônicos do reino; reino este governado pela família de Kai, o Príncipe Encantado que já esperávamos, mas diferente do que prevíamos: o príncipe herdeiro da Comunidade das Nações Orientais é simples, charmoso e atencioso, e como herdeiro dessas nações, também é oriental.
Marissa Meyer criou um universo fantasioso que nos é mais crível do que os contos de fadas: há doenças mortais, corridas tecnológicas, colonização da Lua, viagens espaciais, andróides lunares, planetas distantes habitados e líderes ditadores, que parecem ter a maldade de velhinhas carinhosas que entregam maçãs vermelhas e brilhantes sem nada pedir em troca. Entrelaçando histórias e enredos de forma surpreendentemente coerente, ela explora muitos conceitos morais, éticos e humanos, deixando para trás a superficialidade que os contos de fadas apresentam, e se tornando, para quem lê, mais do que uma releitura de histórias já conhecidas e pensamentos há muito explorados. É um livro incrível que mistura propriedades novas com velhas e dá uma perspectiva inédita para os leitores.
E um aspecto em CINDER que o torna diferente, tanto dos contos de fadas, quanto dos atuais romances que vendem bilhões nas livrarias mundiais: o romance não é o foco do livro – ele aparece conforme a protagonista ultrapassa todos os obstáculos que se apresentam. E mais: Cinder é mais do que a mocinha indefesa que espera que alguém lute suas batalhas por ela. Não. Com uma chave inglesa na mão e uma determinação de ferro (literalmente ou não) no peito, nossa personagem, que foi reduzida a cinzas, mostra que é preciso muito mais para impedi-la de descobrir as verdades sobre seu passado e buscar a autenticidade que o futuro lhe reserva. Marissa Meyer, por intermédio de Cinder, mostra que, mesmo sozinho e sem apoio daqueles que lhe são mais próximos, você, eu e todos nós, podemos, sim, fazer acontecer.
Minha experiência com CINDER foi muito boa. Encontrei-me rindo, chorando e múltiplas vezes admirada com toda a genialidade com que a autora programou os fatos, os contos e as personagens. A edição lançada pela Rocco é também muito bonita e apreciável, com folhas amareladas e letras grandes, quebras de capítulo diferentes e orelhas com detalhes vermelhos e pretos, contrastando e harmonizando com as cores da capa, que também é muito bela, de forma única.
Com um olhar maduro, lógico e ousado que muda praticamente tudo o que o conto de fada nos deu, CINDER é impossível de se largar e, depois de iniciado, as chances são mínimas de que você o odeie. Cheio de personagens carismáticos e escrito de modo leve, viciante e nada cansativo, este livro é indicado para todas as idades e todos os gêneros.
Este primeiro volume de uma saga de quatro livros (na ordem e inspirados nos contos: CINDER, da Cinderela; SCARLET, da Chapeuzinho Vermelho; CRESS, da Rapunzel; e WINTER, da Branca de Neve), fará você desejar fervorosamente os outros. E se você não era fã de contos de fadas antes... depois dele, você o será.
RESENHA ESCRITA PELA LAYLA PARA O GETTUB!
site: http://www.gettub.com.br/2017/08/cinder.html