Vale Abraão

Vale Abraão Agustina Bessa-Luís




Resenhas - Vale Abraão


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R4 03/04/2014

Se Emma Bovary fosse portuguesa...
Vocês se lembram de quando eu falei um pouco sobre o filme O Estranho Caso de Angélica (2010) (no meu blog)? Depois disso, tive a chance de assistir a um pequeno curso sobre o diretor, Manuel de Oliveira. Foi nesse curso maravilhoso que descobri sobre o filme Vale Abraão (1993), uma das principais obras do diretor. Esse filme foi baseado no romance homônimo de Agustina Bessa-Luís. Na verdade, a ideia do diretor parece ter vindo primeiro, pois ele tinha vontade de adaptar o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert (resenha no skoob), mas outro diretor já estava filmando. Sendo assim, ele pediu para Agustina, sua amiga e escritora, para pensar em um romance baseado no livro de Flaubert.

Agustina Bessa-Luís publicou o Vale Abraão em 1991 e Manuel de Oliveira adaptou-o para o cinema em 1993. Trata-se de um livro escrito para aqueles que já possuem como parâmetro o romance de Flaubert, pois faz referências diretas a ele. Conta a história de Ema, moça provinciana, que conhece Carlos Paiva, o médico da cidade. Eles se casam sem amor; ela, por desconhecimento, e ele, por sua beleza. Ao se casarem, Ema se muda para o Vale-Abraão, lugar que fica às margens do rio Douro. Ela é convidada para um baile na Casa das Jacas e se deslumbra pela primeira vez com a vida em sociedade e com o luxo. Sua insatisfação aumenta e ela se envolve com diversos amantes, sendo Fernando Osório que mora no Vesúvio principal. Também adquire o vício à vida luxuosa. Ema é uma mulher insatisfeita, propensa ao luxo e aos amantes, assim como Emma Bovary. Por esse motivo, ganha o apelido de Ema "Bovarinha".

As semelhanças propositais para por aí. A história se passa em Portugal contemporâneo e os conflitos são modernos. Portanto, não temos mais uma Bovary que se vê cercada de amantes por estar em tensão entre o romantismo e o realismo. A Ema portuguesa é Bovarinha porque ela procura uma evasão da realidade por causa de uma grande insatisfação pessoal. Enquanto Emma Bovary de Flaubert procura amantes por desejar encontrar um amor arrebatador como nos livros românticos que lia; Ema do livro de Agustina, é ainda mais insatisfeita e perdida, porque ela não quer mais aquele amante como nos dos livros. Na verdade, Ema não sabe o que precisa para se sentir a salvo do tédio. Isso porque ela está presa entre o querer - ter um grande amor e uma vida de luxo - e o conforto matrimonial perante a sociedade.

"Tudo era inferior ao seu desejo absoluto e, ao mesmo tempo, tudo lhe parecia inatingível. Tal é a força do desejo que mais imagina do que consome." pp.63

A releitura moderna de Madame Bovary é menos realista e os elementos de insatisfação transbordam das páginas, porque a vida interna da Bovarinha transparece. O livro, por isso, possui muito mais elementos de narrativa e é mais confuso. O romance de Flaubert é apenas um ponto de partida para discutir o papel da mulher na sociedade daquela época, que é feito com muita ironia. Ema é bela - até demais - e também manca. Sua beleza afasta e desconserta os homens, que acabam preferindo mulheres mais simples, como sua empregada, do que sua beleza moderna e liberdade sexual.

Embora eu não vá contar para vocês o final das duas histórias, apesar de Madame Bovary ser um clássico e muita gente conhecer o desfecho, devo dizer que ambas as personagens possuem tragédias semelhantes. Porém, no livro de Flaubert, vemos os problemas materiais - apenas - causando os problemas de Emma. Enquanto no Vale Abraão, Ema Paiva se envolve em sua tragédia por razões psicológicas.

O filme Vale Abraão (1993), de Manoel de Oliveira, é ainda melhor que o livro, pois ele recorta e monta os aspectos mais relevantes da história. Assim,o enredo torna-se muito mais interessante e menos cansativo que o livro. A escolha dos atores foi espetacular. Ema (Leonor Silveira) e Carlos Paiva (Luís Miguel Cintra) acentuaram um viés cômico e irônico ao filme. Além disso, a adaptação de Vale Abraão (1993) deixou a mostra muitas das sutilezas que a escritora colocou de forma muito subjacente e escondida, Por isso, é mais fácil compreender a história - especialmente, o final - através do filme.

Eu recomendo o filme Vale Abraão (1993) de Manoel de Oliveira a todos os leitores de Madame Bovary. Pois eu sei que quem gostou do bovarismo de Flaubert pode gostar de ampliar a visão e o ponto de vista com essa Bovarinha portuguesa. Além disso, Manoel de Oliveira é um mestre em adaptações de obras literárias para o cinema. Esse filme é longo e possui cerca de 3 horas de duração, mas acho que vale a pena ver essa releitura feita por um cineasta consagrado. Vale Abraão (1993) não só não deturpará sua visão do livro de Madame Bovary, como acrescentará muitos pensamentos a respeito desta obra. Já o livro de Agustina Bessa-Luís, eu recomendo para quem gostar do estilo de filme e quiser se desafiar com essa releitura moderna e de narrativa mais lenta e difícil. Uma dica que dou é procurar pelo livro na internet, pois paguei cerca de 4 reais no meu exemplar novo.

Visitem o meu blog para ver as imagens do livro, screencaps do filme e o trailer.
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Mawkitas 01/10/2023

Aqui temos um retrato decadente da histeria. Ema, a "Bovarinha", perde a mãe muito jovem e é criada por seu pai em uma casa com ampla criadagem feminina. Se casa sem entender muito bem o que está fazendo e por motivo fútil. Seu esposo, um médico de província, homem passivo e deslumbrado com a beleza da jovem, aspira a um casamento rotineiro, pra dizer o mínimo. Nesse cenário deprimente se desenrola a trama do livro e vemos ganhar volume um desejo sempre enfarado por novidades, luxos e amantes por parte da protagonista. Ema é uma personagem chatíssima, que seduz por seduzir e está pouco interessada nos prazeres que o sexo ou mesmo a conquista podem lhe oferecer: ela não vê sentido em praticamente nada incluindo no marido entediante que escolheu para si e na maternidade que mais a aborrece do que qualquer coisa.
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Beto 30/01/2022

Satírica agustiniana
Agustina consegue trazer a história criada por Flaubert para sua perspectiva ácida e psicologizante afastando o leitor da objetividade narrativa do autor francês nos aproximando da Bovarinha portuguesa aos nos inserir dentro de seu universo feminino subversivo em relação a sociedade patriarcal do norte rural de Portugal, sobre isso, o rio Douro toma na narrativa uma participação integrante a protagonista e seus casos amorosos, bem como com o seu fim. Além disso, a Ema Paiva de comum com a Emma Bovary só tem o nome, aqui, Agustina transforma a histérica bovarista em um Don Juan provido de total autonomia de todos os seus casos extraconjugais.
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Maria Luiza ð¦ 19/02/2023

Não consegui largar este livro enquanto lia a 1ª metade dele. A forma como Ema e os personagens são introduzidos e descritos é muito deliciosa, e a profundidade das análises que a Agustina faz sobre os sentimentos/situações/lugares torna a leitura inteira um prazer. Li logo após ter lido "Sibila", de mesma autora e, embora tenha gostado mais do primeiro devido à mística que nos é apresentada, esse foi ainda mais difícil de largar... A autora é fantástica e vale a pena, especialmente para quem procura um sentido de ancestralidade/tradição nas coisas e para quem se interessa por personagens femininas bem construídas.
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