Eu via Satanás cair como um relâmpago

Eu via Satanás cair como um relâmpago René Girard




Resenhas - Eu via Satanás cair como um relâmpago


3 encontrados | exibindo 1 a 3


Emanuel.Müller 26/02/2022

Excelente e esclarecedora leitura! Recomendo a todos!
Hoje gostaria de fazer a resenha do livro “Eu via Satanás cair como um relâmpago” do antropólogo, historiador e filósofo francês: René Girard. Terminei a leitura de sua obra na quinta-feira passada. Dei-me o compromisso de ler este livro diariamente até o seu fim desde o dia 1° deste ano que estamos e valeu muito a pena ter feito isto.
Só tenho uma coisa a dizer: este livro é extremamente esclarecedor! Não digo apenas quando ele se trata das temáticas bíblicas ou até as das mitológicas, mas também da realidade antropológica que nos encontramos desde os primórdios e que muitas vezes não conseguimos enxergar.
Para quem não conhece o antropólogo e historiador francês, Girard foi o responsável por formular a Teoria Mimética. Por meio dela, conseguimos compreender o ser humano e a sociedade diante uma nova óptica, a partir da visão “mimética” sobre o mundo. Não se trata de uma visão ideológica, mas sim uma abordagem que desvela a realidade tal como conhecemos diante uma nova óptica.
O pensador francês é considerado como o “novo Darwin das ciências humanas” (cf. AGÊNCIA FRANCE-PRESSE. Morre acadêmico francês René Girard, o 'Darwin das ciências humanas'. Correio Braziliense. Disponível em < https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2015/11/05/interna_mundo,505165/morre-academico-frances-rene-girard-o-darwin-das-ciencias-humanas.shtml> Acesso em 26 de fev. 2022). Em outras palavras, foi um pensador de suma importância para os nossos tempos.
A Teoria Mimética consiste numa espécie de contraposição ao pensamento individualista trazido com o romantismo, de que nossos desejos são oriundos de nós mesmos. Contudo o autor, a partir da mesma teoria, mostra-nos que eles [os nossos desejos] não vem de nós mesmos, como é afirmado pelos românticos, mas sim que alguém ou algo os tornou desejável para nós.
Exemplo disso: um amigo está comentando sobre um livro que gostou muito de ler. A sua descrição cativa o seu colega que o escuta atentamente. A forma que o seu amigo descreve o livro, agrava cada vez mais o interesse de sua leitura, a ponto do ouvinte ter interesse de comprá-lo e lê-lo.
Um exemplo bíblico disso se encontra no livro do Gênesis, mais especificamente no capítulo 3. Observemos de que Eva não tinha nenhum interesse em comer o fruto proibido, tinha até uma aversão, da mesma forma que temos uma contrariedade e rejeição quando se trata das drogas, pois sabemos as suas consequências e os seus males. E Eva sabia que se comesse daquele fruto, morreria, levando a ela ao afastamento ou até mesmo a ignorar a árvore da ciência do bem e do mal.
Contudo quando a serpente, Satanás, desfaz a ideia de que ela morrerá e inocula uma nova ideia de que ela será como deus, poderá viver tal como gostaria (uma vida autônoma sem Deus), aquele fruto passou a se tornar interessante. Lembremo-nos do que o autor do Gênesis disse: "A mulher, vendo que o fruto da árvore era bom para comer, de agradável aspecto e mui apropriado para abrir a inteligência, tomou dele, comeu, e o apresentou também ao seu marido, que comeu igualmente" (Gn 3,6).
Nota-se claramente que o desejo de Eva em querer comer o fruto proibido não vem dela, mas foi a serpente que tornou o fruto desejável para ela.
Notamos claramente que a serpente, para induzir Adão e Eva ao pecado, mente sobre Deus, para tornar-se desejável o mau. Contudo com a vinda de Cristo, Daquele que vem de Deus, porque é Deus, Jesus revela a verdadeira face do Deus de Amor, mostrando a face amorosa e misericordiosa do Criador, tornando-se, pois, Deus desejável para nós, pois a imagem mentirosa que o demônio nos induziu (e continua a induzir a muitos) foi desmentida por Aquele que conhece o Pai desde toda a eternidade.
No marketing é muito comum ser feito estas influências de desejos sobre as pessoas.

Girard, a partir da Teoria Mimética, analisa os Evangelhos e os Mitos e nos traz uma problemática. Os Evangelhos são iguais aos mitos ou são superiores a eles? Se são superiores, em que sentido o são?
O antropólogo nos mostra claramente de que os mitos ocultam aquilo que nós, herdeiros do cristianismo, consideramos ABOMINÁVEL. Que seria a justificação da morte de bodes expiatórios e a ritualização da violência, ou seja, a violência era justificada para estabelecer-se a paz nas comunidades antigas. Explico:
O ciclo mimético da violência começa com as pequenas rivalidades. Um exemplo básico de rivalidade seria os filhos que disputam a herança do pai que era rico. Ambos têm o mesmo desejo, contudo aqui há uma disputa que pode muito bem conduzir a uma violência.
Outro exemplo que pode-se dar é no caso de um casal: a mulher é bela, entretanto há um outro homem que se interessa por ela. O marido da mulher vai reforçar mais ainda o seu desejo por ela e a defenderá dos olhos do interessado, havendo entre eles uma rivalidade. Este exemplo não é dado por mim, mas é melhor explicado pelo Girard, sendo válido para homem e para mulher. Fato é que ambos se interessam pela mesma pessoa e há o mesmo desejo, mimetizado, e logo há uma rivalidade. Nem todos os desejos miméticos levam a rivalidade, um músico que achou a forma de tocar de outro intérprete e mimetiza parte de sua essência, tal ato não conduzirá a violência, mas os exemplos anteriores podem levar a um fim violento e muitas vezes trágico.
Tais rivalidades ocorrem na sociedade, havendo, pois, a existência de inimigo. No entanto para evitar um caos maior, o que se chamaria antigamente de peste social, num conflito de todos contra todos, a comunidade elege um bode expiatório, alguém que possa despejar todo o ódio deles de forma unânime.
Mas este bode expiatório é inocente, como bem apresenta as histórias bíblicas e o fato ocorrido de Apolônio de Tiâna estimular o assassinato de um mendigo, para a purificação da cidade. O grego afirmava de que o mendigo era um demônio, que ele era a causa da peste social que estavam ocorrendo na cidade de Éfeso. O acusado estava a dormir, perto da estátua do deus Hércules, e aos receber as primeiras pedradas, olha espantado e até com um furor em seus olhos de autodefesa. A partir daquele olhar, o efésios, induzidos por Apolônio, pensaram que era realmente um demônio, justificando mais ainda o assassinato. Mataram-no a pedradas e exaltaram o deus Hércules que restaurou a ordem. Os antes inimigos se juntaram para combater contra aquele que era a causa da peste social, tornando-se, pois, amigos. Este efeito de “paz” mediante a violência durava pouco tempo, logo depois voltava o mesmo ciclo de violência.
Jesus Cristo mostra que há outra forma de romper o ciclo mimético da violência, não com uma falsa paz, mas com uma verdadeira. O autor nos mostra aquela passagem, em contraposição ao fato ocorrido do parágrafo anterior, da mulher adúltera (Jo 8).
Ao chegarem com a mulher pegada em flagrante em adultério, na visão de Girard, Jesus não se abaixou no intuito de escrever no chão, mas sim para evitar olhar nos olhos odiosos e furiosos daqueles que queriam matá-la, eram como cachorros ferozes, se olhasse de volta, atacariam da mesma forma que mataram o mendigo em Éfeso. Aí não matariam apenas a adúltera, mas também o Messias.
Jesus, portanto, abaixou-se, a fim de não encará-los diretamente, escreve no chão. E aí olha para eles e dá a seguintes resposta “Aquele que não tiver pecado, seja o primeiro a tirar a pedra” (Jo 8,7).
Quando ouviram estas palavras de Jesus, foram tão fortes que colocou diante de todos ali presente uma espécie de espelho da qual eles viam que eram pecadores.
Girard comenta que nestes casos era comum que para o apedrejamento se efetivasse, era necessário que dois atirassem as pedras para que os demais atirassem. A primeira seria a confirmação, a segunda seria mais rápido que a primeira, a terceira mais rápida que a segunda e assim sucessivamente. Contudo ao serem colocados diante do espelho da alma, os mais velhos saíam primeiro e demais, num contágio mimético, saíram também. Enquanto no caso do mendigo por meio da imitação conduziu o linchamento do inocente, aqui a proposta levou a algo novo na história, uma nova forma de resolver e haver paz sem a violência, mas sim rompendo com ela.
O antropólogo nos mostra que os Evangelhos, assim como toda a Escritura, diferente dos mitos que acobertam a violência e a divinizam, os Evangelhos a desvelam e apresentam uma nova solução mais eficaz de paz ao romper com este ciclo mimético da violência, que sempre conduz em seu fim um bode expiatório.
O autor trabalha de forma majestosa em várias passagens bíblicas, incluindo a Paixão de Cristo. Com este estudo antropológico, compreendemos como o povo que estava exaltando Jesus no Domingo de Ramos, passa em pouco tempo a querer a sua morte. Por causa do contágio mimético e o mesmo levou ao abandono dos apóstolos no momento da Paixão, a traição de Pedro e a tensão de Pilatos.
Além do fato de que o mesmo historiador nos mostra que toda a nossa preocupação hodierna com as vítimas, como é o nosso exemplo de querer ajudar os que se encontram em dificuldade, como é caso do que passaram pela tragédia recente de Petrópolis. Toda esta vontade de ajudar as vítimas vem da herança do cristianismo, em se preocupar com o próximo, como se estivesse diante de Cristo. Lembremos da passagem do Juízo Final (“Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizeste” (Mt 25,40) e também da parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37).
Os mitos justificam a violência e a acobertam, como faziam as antigas comunidades pagãs, enquanto a tradição judaico-cristã a desvela e nos mostra uma medida de trazer a verdadeira paz, rompendo com o ciclo mimético da violência.
Teria muito mais outras coisas a falar que o autor nos esclarece histórica e antropologicamente falando.
Recomendo a todos a leitura deste esclarecedor e maravilhoso livro do antropólogo, filósofo e historiador René Girard! Estou com vontade de ler outros livros do mesmo autor, achei fascinante a sua escrita e seu modo de conduzir o raciocínio do leitor. Vale a pena a sua leitura!



Pri de Luz 13/09/2022minha estante
Que resenha fantástica! Fiquei curiosa sobre o livro.




Nilza Russo 29/02/2020

Fascinante
É um livro essencial para leitores não iniciantes.
Eu pretendo ler todos os livros do autor, um dos melhores pensadores que tivemos no século XX, comprometido com a busca pela verdade.
comentários(0)comente



Mr. Matos 24/01/2024

Os povos não inventam seus deuses...
Os povos não inventam seus deuses, eles divinizam suas vítimas (p. 110). Nessa obra, Girard aplica sua teoria a leitura do Evangelho ( velho e novo) e apresenta os dois como uma "teoria do homem", onde estaria confirmada a natureza mimética do desejo, a origem violenta da cultura, os processos de mediação interna e externa etc.
Entretanto o que gostaria de salientar, são os capítulos referentes a possibilidade por meio da teoria mimética de ler Satanás ou o Diabo por uma forma não metafísica ou moralista, a possibilidade de entender Satanás como um processo que produz tanto ordem quanto desordem, Satanás é um dispositivo de produção de subjetividades, subjetividades que se tornam multidões enfurecidas que exigem um bode expiatório para aplacar seu ódio e desejo de violência cujo sacrifício produz a catharsis que reunifica a comunidade que estava a beira da guerra civil. Girard analisando passagens da Bíblia entende que Satanás é essa disposição sacrificial que gera tanto a Desordem ( guerra civil e violência) quanto a ordem ( reconquistada a partir do linchamento de uma vítima inocente), esse mecanismo "satânico" necessariamente precisa ser inconsciente ele "lança trevas", segundo Girard a perspectiva mítica esconde p processo de vitimação do inocente e torna inocentes os algozes. Enquanto a perspectiva evangélica exporia o mesmo relato da violência mimética do ponto de vista da vítima inocente, tornando o sacrifício de um bode expiatório não mais um meio eficaz para produzir a ordem.
Girard é um autor complicado, que possui muitos limites, mas possui insights interessantes para pensar nossa época cheia de xenofobia, racismo, misoginia entre tantas outras violências ao outro, em tempos onde a lógica que rege os algoritmos é a de produção de linchamentos virtuais e reais, em tempos como esses Girard tem idéias que podem nos ajudar a dissipar "as trevas" de Satanás cujo nome do reino em nossa época não é outro que não seja Capitalismo.
Desde que sejamos capazes de trair o autor, para salvar o que há de essencial em seu pensamento.
comentários(0)comente



3 encontrados | exibindo 1 a 3


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR