Gustavo Araujo 13/07/2013
O Manipulador de Emoções
Um dev assombra um vilarejo no Afeganistão. Todos sabem que sua intenção é levar uma das crianças que lá vivem consigo. A família escolhida deve se resignar com o destino infame e entregar ao demônio o filho, ou filha, que ele por ventura escolher. Do contrário, a ira do dev cairá sobre o povoado com terríveis consequências.
É com essa parábola que se inicia “O Silêncio das Montanhas”, contada de modo envolvente, em primeira pessoa, por um dos personagens, o afegão Saboor, aos filhos pequenos, Abdullah e sua irmã, Pari. Juntos, iniciam uma viagem pelo deserto, de Shadbagh, onde vivem em condições muito difíceis, até Cabul. Abdullah é o filho mais velho e desde a morte da mãe, é quem verdadeiramente cuida da menina.
Saboor tem diante de si a tarefa mais difícil que um homem pode receber na vida, refletida de modo fiel pela história repassada aos pequeninos. Em breve, chegarão à casa dos Wahdati, um rico casal de Cabul para quem o cunhado de Saboor, Nabi, trabalha, onde seus filhos serão separados. Pari ficará com os Wahdati. Será criada como filha pelo casal, em troca de uma boa soma em dinheiro para Saboor. Abdullah retornará a Shadbagh com o pai.
A partir daí, surgem personagens e histórias paralelas que, em algum ponto se relacionam com o drama de Saboor e de seus filhos. Algumas dessas histórias têm uma relação profunda e direta com a trama principal, especialmente em relação a Pari, como a extensa carta escrita por Nabi, e a biografia sedutora de Nila Wahdati, a mãe adotiva da menina. Outras histórias adjacentes guardam menos pontos em comum, mas ainda assim tocam o fio condutor de alguma maneira.
Khaled Hosseini, o autor do livro, sabe como poucos descrever as emoções humanas. Quando se trata da relação entre pais e filhos, dá para dizer que sua perícia é imbatível. É como se cada termo, cada palavra, fosse uma peça de um quebra cabeça gigantesco, mas que ainda assim, é encaixada com maestria e perfeição. Assim foi com “O Caçador de Pipas” e “A Cidade do Sol”. Em meio a cenários devastadores e destinos selados pela tristeza, os personagens sempre conseguem encontrar momentos de redenção, de felicidade, uma fortuna efêmera. O remorso, a culpa, os medos e os desejos reprimidos, mesmo os mais secretos e vergonhosos, são explorados de forma hábil e verossímil.
Todavia, ao contrário dos livros anteriores, há momentos em que “O Silêncio das Montanhas” perde um pouco o foco. Algumas das tramas paralelas parecem dispensáveis, criando nada mais do que um universo exagerado de personagens. Se apagadas, pouco ou nada influenciariam no final. Claro, são bem escritas e, analisadas de forma individual, excelentes – dariam ótimos contos, fechados em si mesmos – mas acabam embaraçando sem propósito aparente a história principal. Imagino que o livro ficaria mais interessante se aspectos relacionados a Markos Varvaris e Idris Bashiri fossem substituídos por alusões mais próximas de Nila Wahdati, a personagem mais interessante das 350 páginas, ou de Abdullah, que não tem, infelizmente, a mesma profundidade de Pari na trama.
Talvez tenha sido a intenção de Khaled Hosseini inaugurar uma nova maneira de escrever suas histórias – os capítulos são narrados ora em primeira pessoa, ora em terceira, sempre abordando personagens diferentes, cujas relações, como visto, por vezes, se tocam – mas o resultado não me agradou completamente.
Sim, o livro é bom. Aliás, é muito bom, bem superior à média. Mas, pelo fato de vir do mesmo autor de “O Caçador de Pipas”, é impossível não comparar e constatar que, na verdade, “O Silêncio das Montanhas” ficou um pouco a dever. Claro, o capítulo derradeiro, que, enfim, leva o leitor de volta ao que interessa, é emocionante. Difícil não chegar às lágrimas.
Talvez seja exatamente isso que diferencie Khaled Hosseini dos demais autores contemporâneos: mesmo contada de modo pouco atraente, sua narrativa segue apaixonante, ao mesmo tempo belíssima e triste. Apesar das idas e vindas nem sempre necessárias na história, a habilidade do autor em manipular nossas emoções permanece irretocável e isso acaba fazendo toda a diferença.
Não dá para deixar de ler.
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