Nika 08/04/2011Sobre a ImpotênciaAcho que posso dizer que foi por acaso que acabei lendo As Virgens Suicidas, de Jeffrey Eugenides. Veja bem, eu não vi o filme, e nem sei se pretendo, ao menos, não de forma organizada retirando na locadora e tudo mais. Talvez, eu sente para ver caso esteja passando na TV, mas não por esforço. Não entenda mal. Eu gostei do romance e respeito bastante a obra cinematográfica de Sophia Coppola, muito embora não me considere uma fã. Apenas, acho que, de alguma forma, o filme pode aniquilar o que mais me prendeu ao romance: a distância.
De fato, foi isso que me seduziu a comprar o livro, mesmo que não para mim. Ah, sim, sou um animal interesseiro quando se trata de livros. Compro os que não tenho para dar de presente, com a firme intenção de pedi-los emprestados tão logo o presenteado os acabe. No caso de As Virgens Suicidas, meu gosto pouco afeito ao mórbido real (prefiro-o em narrativas fantásticas), me empurrava contra o livro (assim como inicialmente foi ao filme). O caso raro de um bom resumo, como o que está na contracapa da edição da L&PM, me fez mudar de ideia (Resumos de livros podem ser a morte da venda!). Achei que o livro poderia ser interessante e resolvi comprá-lo para presentear uma pessoa especial no seu aniversário. Na última hora, porém, mudei de ideia. Engordei o presente de outra maneira e fiquei com o livro.
Comecei a leitura há algumas semanas e como março foi agitado, demorei mais para terminar o livro de pouco mais de 200 páginas. O resumo prometia um livro leve, apesar do tema mas, não sei se eu aplicaria o termo divertido, como usado pela editora. Talvez, tenhamos noções diferentes sobre ao que se aplica a palavra. De qualquer forma, é, certamente, um romance que merece a leitura. É muito bem escrito (com uma ou outra ressalva). O texto flui e é, ao mesmo, tempo sólido, consistente. As cinco Lisbons me remeteram imediatamente às cinco Bennet, mas as semelhanças param por aí. Enquanto estas últimas são solares, as louras e luminosas Lisbon são descritas como portadoras de um destino sombrio e incompreensível.
Há uma encantadora profundidade nos personagens além da que é dita em palavras, mesmo encantador narrador-personagem-oculto é uma presença instigante, nos guiando pela obsessão destes garotos por meninas que todas aquelas circunstâncias tornaram intocáveis. É um Romeu e Julieta em que todas as Julietas morrem em suicídios sem novo despertar. Seus Romeus sobrevivem, envelhecem, mas são presas eternas da bestificação do amor trágico, para sempre titubeante na incerteza de ter sido ou não correspondido.
Mais que tudo, As Virgens Suicidas é um romance sobre a impotência. Não a sexual, embora ela não esteja ausente, já que o acesso dos meninos às garotas é negado por todo o romance, sendo facultado a apenas um deles. Este herói não era exatamente pertencente ao grupo, seria estranho aos narradores não fosse o afã destes em irmanar-se a ele para chegar até as meninas Lisbon.
Contudo, outras impotências se apresentam cheias de força no livro. A mais óbvia é a dos homens diante do mundo das mulheres. As exaustivas tentativas dos garotos em compreenderem as cinco irmãs, antes e depois de suas mortes, redundam sempre em fracasso. As Lisbon são insondáveis e também o é a mãe delas criatura mais potente do livro, embora isso nunca seja dito. O pai das garotas, nesse caso, soma-se aos meninos. Ele não entende o que a esposa se tornou. Não entende as filhas que vão deixando de ser crianças e se tornando mulheres. Sua potência se esgotou ao ajudar a conceber as cinco e, depois, esgotou-se. Isso é claro em sua voz, em sua letra, em seu apego à organização de sua sala de aula. O Sr. Lisbon é um homem que desistiu de controlar o incontrolável. Delegou as cinco forças da natureza presentes em sua casa àquela que ele considerava mais capaz de compreendê-las: sua mulher. Mas, o que a Sra. Lisbon prende com mão firme é areia, e ela escorre pelos dedos. Suas garotinhas nunca mais voltarão aos tempos felizes e despreocupados da infância. Elas tem regras. Suores femininos. Desejos assustadores para a mãe que permite longos banhos na banheira como forma de aplacá-los. Mas não há. Elas são cinco. Que uma agüente, vá. Mas todas?
As meninas buscam hobbies em troca das companhias e namorados que não tem, mas não há satisfação nisso. Uma delas chega a encontrar o sexo, mas nem ele é suficiente para fazer com que ela consiga respirar livremente. Aliás, o que faz uma mulher respirar livremente? O que lhe falta, eternamente? Os garotos não sabem responder. Talvez, nenhuma das Lisbon conseguisse responder. Nem a mãe delas. Nem eu. Nem mulher alguma. Ao menos, não em palavras. E se pudéssemos, será que iríamos querer partilhar isso?
Sem dúvida, a frase mais repetida do livro é a da pequena Cecília, após sua primeira tentativa de suicídio ao médico que a tratava.
Evidentemente, Doutor disse , o senhor nunca foi uma garota de 13 anos.
Não, não foi. Nenhum homem foi. Em geral, as meninas de 13 anos tem muito mais certeza sobre quem são do que as mulheres que um dia elas se tornarão, mas não são mais hábeis em explicar isso do que suas futuras personas. Os 13, no entanto, são a dead line. O momento do desespero de filhos e pais. De um dia para o outro: onde está a criança que estava aqui? Foi-se. Não volta. Não é só o corpo que muda. É o olhar. É uma parcela da alma.
Alguém vai argumentar que hoje isso pode acontecer antes, em outras idades mais e mais precoces. Sim, pode. Mas não é o caso de se discutir quando as crianças partem de nós, mas o que a ausência delas deixa. E como é difícil lidar com isso em ambos os lados da corda, do cabo de guerra que pode se tornar a relação de pais e filhos. Eugenides escolhe os anos 70, quando essa relação, com todas as mudanças sofridas na década de 60 está começando a complicar, mais e mais. Os filhos mudaram. O mundo mudou. Os pais ainda não.
Os dois ficaram calados, junto com os nossos pais, e percebemos como eram velhos, como estavam acostumados a encarar traumas, depressões e guerras. Percebemos que a versão do mundo que nos ofereciam não era aquela em que realmente acreditavam, e que apesar de todos os seus cuidados e do seu mau humor por causa das tiriricas, estavam se lixando pro gramado. (p.49).
Por outro lado, há ainda outra impotência latente em todo o livro. Talvez, desde a primeira frase. A impotência que nos acossou ontem (dia 7 de abril de 2011), a impotência humana diante da tragédia. Nossa busca obsessiva por razões é a busca pela resposta à pergunta: poderia ter sido evitado? Os meninos que amaram as Lisbon não conseguem chegar a uma resposta. E, provavelmente, nem nós. Não adianta nos imaginarmos potentes antes, pois essa força ainda não foi pedida. Só depois. Então, pensamos se é possível sermos mais eficazes para impedir o horror no futuro? Mas, novamente, estamos no beco sem respostas. Pois, se fizermos tudo corretamente, não saberemos que fizemos, já que ninguém contabiliza assim: passou um ano e nenhum jovem morreu, matou ou suicidou-se. No entanto, nossa impotência estará sempre a perseguirmos. Mesmo depois de décadas.
Foi assim com os meninos que amaram as Lisbon. Não vejo como possa ser diferente com todos nós.
Também publicado no Blog Sapatinhos Vermelhos