Pedro 11/03/2024A desumanização da idolatriaLeitura pesada, forte, que anuncia já nos primeiros parágrafos seu triste desfecho. Mas o que interessa aqui não é como acaba, mas sim o processo dos narradores em tentar processar o próprio luto não superado e a culpa por não ter ajudado as meninas Lisbon.
Com isso, digo que apesar delas serem o título e tema do romance, no fundo senti que não se tratava sobre elas. Elas são objetos da reflexão dos protagonistas e, como objetos, existem apenas de maneira superficial, inumana, vazia. As meninas Lisbon tinham suas próprias vozes, sonhos e desejos não realizados, mas o livro não é delas. É sobre homens obcecados pelo de possuí-las de maneira tão intensa que se tornaram incapazes de enxergá-las de verdade e ouvir o que tinham a dizer.
O olhar masculino, ou male gaze, é o verdadeiro protagonista e vilão. Talvez seja uma das obras que tenha exposto mais profundamente a crueldade da desumanização que existe com a adoração da aparência feminina. Elas eram belas, mas encaradas apenas como uma massa disforme. Os meninos diziam ser apaixonados por ela, mas como amavam tanto meninas que sequer sabiam diferenciar? Em respostas, eles também se tornam um coletivo sem rosto e com vários nomes. Mas esse "eles" vai além do grupo de garotos: há toda uma vizinhança que assistia aos Lisbon como uma novela, comentava suas vidas, mas não os enxergava como humanos.
Isso, contudo, não significa que o retrato das Lisbon seja superficial. Em sua procura por explicações e, talvez, redenção pelos erros juvenis, os narradores deixam um mar de angústia nas entrelinhas. O não dito tem muito poder aqui. Os meninos podem não ter ouvido as vozes delas, mas a imaginação consegue preencher as lacunas de solidão, abandono e incompreensão por trás das atitudes das garotas.