spoiler visualizarRaphael 12/12/2014
MORAES, DÊNIS DE (ORG.). MÍDIA, PODER E CONTRAPODER: DA CONCENTRAÇÃO MONOPÓLICA À DEMOCRATIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO. SÃO PAULO: BOITEMPO; RIO DE JANEIRO: FAPERJ, 2013. 183 P.
A necessidade de se estudar a produção da cultura, a disseminação de informações e seus laços não é nova, a chamada Escola de Frankfurt na década de 1920 mostrou com brilhantismo a importância desses estudos, não apenas no campo do marxismo, mas em todas as ciências humanas, independentemente da corrente teórica. Herbert Marcuse, Walter Benjamin, Theodor Adorno e outros, mostraram a urgência de um estudo cultural e interdisciplinar no campo do marxismo.
Apesar de seus estudos serem de grande importância até a atualidade, temos um cenário muito diferente daquele dos anos da Escola de Frankfurt. Neste sentido, a obra Mídia, poder e contrapoder: da concentração monopólica à democratização da informação procura nos mostrar um quadro geral não apenas da produção e disseminação da informação, mas de toda uma rede que abarca desde corporações midiáticas até a indústria editorial, produção cinematográfica e a crescente importância da internet para os setores de comunicação.
Vale ressaltar que a obra em questão não é o resultado do trabalho de apenas um indivíduo preocupado com tais questões, mas de um trio de jornalistas e pesquisadores com grandes inquietações sobre o trabalho jornalístico hoje (mal remunerado, desvalorizado e orientado pela lógica do capital); procurando construir alternativas contra-hegemônicas – nas palavras dos autores – ante um processo de concentração monopólica da informação na atualidade .
Isto posto, a primeira parte da obra inicia com um capítulo escrito por Dênis de Morais, intitulado Sistema midiático, mercantilização cultural e poder mundial. De leitura simples e eloquente, o capítulo trata de mostrar ao leitor a alta concentração do sistema midiático nas mãos de poucos. As informações trazidas à luz pelo autor, ressaltam a facilidade da transnacionalização do capital desconhecendo freios e fronteiras; nem mesmo países com fortes diferenças culturais em relação à cultura Ocidental escapam. Ao invés de ser entendida como limite, a identidade cultural é vista como uma oportunidade lucrativa .
O autor aponta também as três características do sistema midiático segundo seu entendimento: 1) “evidencia a capacidade de fixar sentidos e ideologias, interferindo na formação da opinião pública e em linhas predominantes do imaginário social”; 2) “demonstra desembaraço na apropriação de diferentes léxicos para tentar colocar dentro de si todos os léxicos, a serviço de suas conveniências particulares”; e, por fim 3) “incute e celebra a vida para o mercado, a supremacia dos apelos consumistas, o individualismo e a competição .”
Sobre o mercado editorial, Morais aponta que, só nos Estados Unidos da América, cinco conglomerados do entretenimento (Time-Warner, Disney, Viacom\CBS, News Corporation e Bertelsmann) dominam 80% do mercado de livros. Um dos desdobramentos seria “a subordinação dos mercados regionais e nacionais aos lançamentos e campanhas globais, resultando na crescente desnacionalização do mercado editorial e na irrisória porcentagem de obras traduzidas fora do inglês .”
Em consonância com esta lógica, também chama a atenção para a indústria cinematográfica estadunidense que a muito aderiu à lógica de descentralização. “Para viabilizar produções com orçamentos milionários, estúdios de Hollywood se estruturam em moldes semelhantes aos de instituições financeiras ”. O autor ainda mostra que os próprios museus de arte mudaram sua forma de operar abrindo filiais em outros países .
Outro ponto que merece destaque é o que o autor chama de espetacularização do esporte. “O cálculo da cultura mercantilizada converte o esporte em uma das mais lucrativas indústrias capitalistas. As difusões midiáticas constituem a pedra de toque para a mundialização dos eventos .”
Inserido nesta lógica, o autor nos apresenta o caso do Futebol, que, segundo ele trouxe mudanças na relação entre clubes, seleções e os imaginários culturais dos diferentes países. Neste sentido, Morais coloca que a globalização afeta a noção de identidade dos sujeitos, pois desloca sua ideia de territorialidade bem como a partilha de crenças e sentidos comuns .
Já Ignacio Ramonet no capítulo intitulado Meios de comunicação: um poder a serviço de interesses privados? aborda questões acerca do trabalho jornalístico e os meios de comunicação hoje. Ramonet retrata uma crise dentro do jornalismo. O autor inicia refletindo sobre a perda de credibilidade das pessoas em relação aos meios de comunicação, relacionando este fenômeno com a falta de posicionamento claro dos próprios meios. “Eles pretendem seduzir o conjunto dos cidadãos, desvirtuando ou ampliando sua linha editorial. O que se chama de centro-esquerda ou centro-direita pode ser absolutamente tudo; e, na maioria dos países do mundo, os jornais se situam nesse campo .”
Ramonet também trata de como a internet colocou grande pressão no sentido da necessidade de que a informação seja transmitida o mais rápido possível. Como resultado, o jornalista – analista de uma jornada, de um período nas palavras de Ramonet – passam a deixar de existir, pois não se tem o tempo necessário para analisar o período em questão, causando um imediatismo.
Outra questão levantada pelo autor em relação à velocidade da informação, reside no fato de, por conta da avalanche de notícias, não ser possível dar continuidade às informações:
Quando estávamos começando a tentar entender o porquê das revoltas nas sociedades árabes na Tunísia, no Egito, no Iêmen, no Bahrein e no Marrocos, ocorreu o terremoto no Japão e, depois, uma catástrofe nuclear (ou, pelo menos, um risco nuclear). E, quando todo mundo estava tentando entender o que significa um risco nuclear, aconteceu a intervenção na Líbia .
Diante disso, Ramonet ressalta que os erros e informações falsas acabam se tornando muito comuns, não apenas pela velocidade da informação, mas também pelo fato dos meios de comunicação não terem mais como objetivo trazer uma informação de qualidade, mas sim “vencer” a competição de trazer a notícia o mais rápido possível, resultando num fenômeno chamado por Ramonet de “insegurança informativa” . Em outras palavras, o público acaba por deixar de confiar nos meios de comunicação.
Outro ponto que merece problematização é a mídia enquanto “quarto poder”; colocado na obra primeiramente por Ramonet e ao longo dos capítulos pelos demais autores. Ao tratarem do termo, eles fazem referência à época da Revolução Francesa, quando era utilizado para fazer alusão à imprensa funcionando como um poder paralelo aos outros três propostos por Montesquieu (Executivo, Legislativo e Judiciário); sendo vigia e evidenciando os abusos dos outros poderes. Essa visão dos meios de comunicação como sendo um “poder” ou melhor, como os autores colocam em outros momentos, um “contrapoder”, é problemática.
Considerando que, se os meios de comunicação estão de fato em uma posição igual aos “três poderes tradicionais” do Estado de Direito, estamos colocando estes meios em um patamar de relações que respondem e exercem as vontades daqueles que dominam o Estado. Nesse sentido, a obra de Karl Marx O 18 de Brumário de Louis Bonaparte oferece informações que mostram a imprensa da época exercendo sua função submetida ao Estado. Ao falar das leis de liberdade de expressão e imprensa em 1848, Marx aponta que:
Cada uma dessas liberdades é proclamada como direito absoluto [grifo do autor] do cidadão francês, mas sempre acompanhada da restrição à margem, no sentido de que é ilimitada desde que não seja limitada pelos ‘direitos iguais dos outros e pela segurança pública’ [grifo do autor] ou por ‘leis’ destinadas a restabelecer precisamente essa harmonia das liberdades individuais entre si e com a segurança pública .
Marx continua escrevendo que:
Essas leis orgânicas foram promulgadas pelos amigos da ordem e todas aquelas liberdades foram regulamentadas de tal maneira que a burguesia, no gozo delas, se encontra livre de choque com os direitos iguais das outras classes .
A partir dos dois fragmentos, podemos perceber que mesmo com a legitimidade das liberdades da Revolução Francesa, os meios de comunicação já se encontravam inseridos dentro de uma lógica que procurava garantir direitos aos que dominam. Logo, a própria expressão de “quarto poder” já afirma justamente a ligação entre veículos de mídia e os interesses burgueses. Porém, afirmar isto não quer dizer que todos os meios de comunicação, desde seu surgimento até a atualidade, apenas reforçam os interesses burgueses, afinal, considerar a afirmação verdadeira, implicaria em “silenciar”, ao longo da história da humanidade, o fechamento de jornais e demais meios de comunicação – ao longo da já citada obra de Marx, ele mesmo retrata jornais de oposição sofrendo pesada repressão justamente pela posição de defesa dos anseios do proletariado urbano e rural.
O que se busca assinalar a partir das considerações de Marx, é que não seria uma questão dos meios de comunicação “voltarem” a efetuar sua função de “quarto poder” – como se num passado, a imprensa em lato sensu, tenha de fato operado como uma “vigilante dos abusos dos poderes” – ou então de ser criado um “quinto poder ”; mas mudar a forma de se fazer jornalismo, como os próprios autores já o fazem a partir da práxis defendida na obra.
Pascual Serrano em Democracia e liberdade de imprensa discute a força dos meios de comunicação como atores políticos nos países da América Latina. Também trabalha a questão do “poder midiático” não possuir oposição, nem legitimidade democrática: “Sob o manto da liberdade de imprensa, o poder midiático conseguiu um nível de impunidade impressionante. A mídia hoje mente constantemente, manipula insulta e destrói o prestígio e a trajetória de quem cruzar seu caminho .”
Neste sentido, o chamado “poder midiático” responderia apenas aos interesses daqueles que o sustentam. Serrano propõe como forma de conter os abusos do meio de comunicação, ampliar o controle do Estado sobre a mídia. Da mesma forma que o Estado contrata juízes e diplomatas sem estarem condicionados à uma ideologia de governo, o mesmo poderia acontecer com os profissionais dos meios de comunicação .
A afirmação feita por Serrano, acaba por não apresentar uma solução adequada. Ao partirmos do entendimento, como bem afirma Antonio Gramsci , de que não existe separação entre sociedade civil e Estado, sendo este último, uma instituição que garante a posição hegemônica da classe dominante – seja pelo seu papel pedagógico ou pelo exercício da “violência legítima” – não é possível vislumbrar grandes mudanças na forma de utilização da imprensa, tornando talvez até mais complicada de ser questionada, dada a pretensa legitimidade que lhe seria conferida ao estar ligada ao Estado.
No ímpeto de levantar alternativas ante o quadro apontado pelos autores na primeira parte da obra; a segunda parte procura mostrar os meios digitais como um caminho para um jornalismo contra-hegemônico. Dênis de Morais começa a discussão historicizando a mídia alternativa na América Latina no capítulo intitulado Agências alternativas em rede e democratização da informação na América Latina. A partir disto, o autor aponta para iniciativas de jornalistas, fotógrafos, movimentos sociais e de comunidades em favelas; muitos deles trabalhando com pouca ou nenhuma remuneração pelo ofício exercido .
Apesar dos autores reconhecerem que o advento da internet, como alternativa para massificar e democratizar o acesso à informação tenha limitações, fica a impressão de romantizarem em demasia seu uso. Como bem apontado ao longo da obra, 40% da população mundial não tem acesso a meios digitais. No entanto, sua exclusão não se limita apenas ao acesso, mas também aos meios de disseminação. É sabido que sites de busca como o Google por exemplo, cobram para oferecer maior “visibilidade” a quem pagar. Um site qualquer que estabelece este tipo de serviço com o Google, paga um determinado montante para que seu domínio apareça entre os primeiros na lista de resultados de busca sobre o assunto.
Pascual Serrano encerra a obra com o capítulo Outro jornalismo possível na internet, onde o autor procura estabelecer uma reflexão sobre como fazer um jornalismo na internet com seriedade, apresentando também, de forma sintética, um quadro sobre a crise do jornalismo na atualidade.
Em conclusão, a obra apresenta um estudo de grande fôlego e seriedade por parte dos três pesquisadores; sendo de alta relevância tanto para quem usa os meios de comunicação como fonte de pesquisa ou como objeto; mas também às pessoas em geral que tenham interesse em compreender as questões que permeiam o meio midiático. Neste sentido, o trabalho dos autores também se apresenta como uma tentativa de transformação da práxis.