Rosa Santana 31/08/2014
NÃO TE RENDAS
O MÚSICO CEGO
Vladmir Korolenko, Arbor Litterae, 270 páginas
O título do livro claro já deixa a que veio: contar, desde o nascimento, a história de um menino rico que nascera cego. Sem mais irmãos, a mãe e o tio materno se esmeram em cuidados para com o personagem. Com desdobrado desvelo vão lhe ensinando sobre a vida, sobre as pessoas, sobre as artes e a cultura.
Uma bonita história de luta e de superação por parte do menino, que vai crescendo aos olhos do leitor até se casar e se tornar músico (creio não estar deixando spoillers, porque o título já remete a tudo isso).
Uma das partes mais metaforicamente lindas que achei foi quando o tio se propõe ensinar ao rapazinho sobre as cores. Como é a cor vermelha, por exemplo, associando-a às notas musicais, às sensações provindas dos outros sentidos, à vida na natureza, numa pedagogia de amor ao humano, mas, sobretudo, ao meio todo que nos cerca! E, importante, sempre elevando os dons dos quais o cego é portador, para que ele se livre da auto piedade, para que se aceite e, como no poema de Mario Benedetti, vença os desafios para celebrar a vida e se apossar dos céus:
NÃO TE RENDAS(trecho)
(Mario Benedetti)
Não te rendas, ainda é tempo
De se ter objetivos e começar de novo,
Aceitar tuas sombras,
Enterrar teus medos
Soltar o lastro,
Retomar o voo.
Não te rendas que a vida é isso,
Continuar a viagem,
Perseguir teus sonhos,
Destravar o tempo,
Correr os escombros
E destapar o céu.
(...)
Viver a vida e aceitar o desafio,
Recuperar o sorriso,
Ensaiar um canto,
Baixar a guarda e estender as mãos
Abrir as asas
E tentar de novo
Celebrar a vida e se apossar dos céus.
Bela lição de aprendizado e de superação. Recomendo!
Destaco:
"A melodia havia muito que mudara. Deixando de tocar a peça italiana, Piotr entregou-se à sua imaginação. Punha nisso tudo o que se lhe apinhava na memória quando, um minuto antes, silencioso e cabisbaixo, escutava as impressões do seu passado. Havia nisso vozes da Natureza, o barulho do vento, o sussurro da floresta, o marulho do rio e o vago rumorejo a esmorecer nos horizontes desconhecidos. Tudo isso se entrelaçava e trinava, no pano de fundo daquela sensação profunda, de dilatar o coração, que a misteriosa voz da Natureza desperta na alma e para a qual é muito difícil encontrar uma definição certa... Angústia? Mas por que é tão agradável?... Felicidade?... Mas por que é tão profunda e infinitamente triste? - página 166
....
... a cor vermelha, da mesma forma que os sons "vermelhos", deixam na nossa alma a luz, a excitação e uma noção de paixão que é chamada precisamente "quente", fervente, ardente. É curioso que os pintores também considerem os tons avermelhados como "quentes" - 224
(...)
Ora, mais perto do Outono, no meio da folhagem cansada, amadurece o fruto. O fruto é mais vermelho do lado onde cai mais luz; é como se estivesse ali concentrada toda a força da vida, toda a paixão da natureza vegetal. Estás a ver que também aqui a cor vermelha é a cor da paixão e que lhe serve de símbolo. É uma cor de arrebatamento, de pecado, de fúria e de vingança. Durante os motins, as massas populares procuram a expressão do sentimento geral na bandeira vermelha que drapeja por cima delas como uma chama... - 226/7