Carous 26/09/2021O filme é suficienteDevia ter me dado por satisfeita quando assisti ao filme baseado neste livro - e gostei! -.
As personalidades dos personagens e a dinâmica das relações no filme pode não estar tão bem demarcada e esclarecida como no livro, o que às vezes me deixava confusa sobre a maneira como as pessoas se comportavam, mas pelo menos fui poupada dos comentários dignos de Homem Branco Hétero Cis sobre os corpos femininos.
Esse era um dos meus receios quando fiquei com fogo para ler o livro e é meu maior receio toda vez que me interesso por obras escritas por homens brancos héteros cis: como retratam as mulheres. Nunca é reproduzindo a complexidade que temos na vida real.
Pouco ou nada se comenta sobre as personalidades das personagens femininas aqui. Se caem na pilha de mulheres atraentes aos olhos de Judd e que ele gostaria de pegar - ou ""comer"" como ele se refere o tempo todo -, mas que, compreensivelmente nenhuma delas quer saber dele, tudo o que ganhamos é descrições minuciosas e demoradas de seus peitos, suas bundas, suas coxas. Se estão na pilhas de mulheres que não o atraem (geralmente mulheres gordas, de meia idade e mães no puerpério) ele praticamente parece ofendido pela existência delas.
Mas quem dera o único problema no livro fosse a misoginia. Há também ageísmo. Judd, o protagonista e narrador, tem tanto asco de pessoas da terceira idade. Critica como se vestem, critica seus corpos envelhecidos, critica suas conversas, critica
Judd não esquece que um dia vai envelhecer, ao contrário, morre de medo. Deus o livre de ficar com o braço flácido, queixo duplo, barriga e careca!
Preferia que o medo dele fosse de envelhecer e esbarrar com jovens babacas como ele um dia foi.
Se alguém ainda não estiver satisfeito, ainds tem gordofobia. A maioria é quase direcionada às mulheres, mas Judd também reclama dos homens barrigudos, acima do peso que não se escondem em casa ou usam roupas que escondem os corpos para ele não precisar ter essa virão. A audácia dessas pessoas, não?
Tudo estaria bem (mentira, não estaria, não) se quando se descrevesse Judd mostrasse ser o retrato da beleza e da excelente forma física. Mas pelo que o próprio diz, ele nunca foi lindo e desde a separação engordou bastante se alimentado mal porque está, compreensivelmente, deprimido.
É claro que Judd projeta suas inseguranças nos outros e eu me compadeceria dele caso o personagem não fosse como é: um idiota.
Tenho certeza de que todos nós temos pensamentos bem toscos sobre o corpo alheio, fazemos julgamentos em nossa mente que ninguém pode descobrir. Mas ler um livro com todos esses pensamentos externados não foi tão agradável assim.
Sabe o que é pior? Tenho certeza de que todos esses comentários infelizes eram pra dar
humor ao livro.
Aposto que o autor queria que o leitor se identificasse com Judd quando ele falasse dos idosos que foram à shivá com sandálias abertas mostrando suas unhas com fungo. Ou das mães usando calças abaixo da cintura cedo demais já que acabaram de parir e ainda não recuperaram o peso de antes da gravidez. Era pro leitor pensar: "Sim, todos conhecemos esse tipo de figura, que engraçado, Judd!" e eu só consegui pensar: "Meu Deus, que homem escr0t0!"
No filme, não dá para entender como Quinn/Jen joga pro alto um casamento com um cara tão bacana por causa de Wade. No livro, eu julguei beeem menos a esposa, confesso. Wade não era um upgrade de Judd, tampouco estava num nível tão abaixo.
Sinceramente, é lamentável. Não fosse por nada disso, seria um livro agradável. Talvez não memorável, mas bom para passar o tempo - como a adaptação é. Eu me sinto até culpada por dar 3 estrelas ou de não ter abandonado o livro. Não foi uma leitura penosa nem odiosa, mas viveria muito bem sem as partes que mencionei acima.
O mais surpreende é descobrir que Jonathan Tropper escreveu o livro >e< o roteiro. A impressão que tive é que entre um e outro, ele começou a fazer terapia, percebeu sozinho as problemáticas do livro e não poupou de ver isso na adaptação.
É a primeira e última vez que dou uma chance ao trabalho do autor. Já até retirei os outros dois livros que tinha dele da estante.