Suelen 05/06/2015
O sabor da rivalidade literária pode ser um intenso mistério
Apaixonados por livros certamente já pensaram em reunir alguns dos personagens prediletos em uma única obra. Em “Água na boca”, dois grandes mestres de romance policial italiano resolveram fazer isso, usando o protagonista mais famoso de cada um e os colocando em confronto. Como em uma partida de xadrez, por meio de correspondências, cada autor enviou durante anos, parte dessa história ao outro deixando sempre a situação mais complicada para o oponente resolver.
Dessa forma, finalmente a inspetora-chefe da Polícia do Estado do Grupamento Móvel de Bolonha, Grazia Negro (personagem de Carlo Lucarelli) e o comissário de Polícia de Vigàta, Salvo Montalbano (protagonista de várias obras de Andrea Camilleri) puderam se conhecer. Os personagens passam a se comunicar por meio de correspondências. Estas chegam acompanhadas de pistas, incluindo fotos e outros objetos, como também de código secreto. O mistério a ser desvendado pela Grazia, não seguindo as ordens dos superiores em deixar o caso de lado, trata-se de um cadáver, em Bolonha (Itália), encontrado estranhamente com um saco plástico cobrindo-lhe a cabeça e ao lado três peixinhos vermelhos asiáticos da espécie betta splends; a pergunta fica no ar se os peixes são a assinatura do criminoso ou se apenas este sabia que a vítima era alérgica a esse tipo de animal. O morto era de Vigàta, e Grazia pede auxílio, com extremo sigilo, ao colega siciliano Montalbano para descobrir por lá maiores informações. A situação vai esquentando tanto que eles correm o risco de serem as próximas vítimas, estão sendo seguidos, mas ainda não sabem ao certo quem é de fato esse assassino, e nem quando e onde o crime duplo vai ocorrer, a pergunta que fica é, será que vão desistir do caso ou prosseguir e desvendar? E por qual motivo Grazia está sendo hostilizada pelos superiores de ambos?
Ao contrário do Brasil, em italiano, a expressão “água na boca” significa “ficar calado”, portanto, desde o título há uma sugestão de que um bom mistério aguarda o leitor.
A escrita a quatro mãos surgiu por meio de uma brincadeira entre o escritor e diretor teatral, 89 anos, Camilleri e o regista, roteirista, apresentador de televisão e jornalista, 54 anos, também italiano, Lucarelli, durante a gravação de um documentário, ocorrida na primavera de 2005 em Roma, sobre a carreira de ambos. Quando falavam sobre os romances e respectivos personagens, o amigo e editor da Minimum Fax, Daniele di Gennaro os atiçou com a pergunta “Como se comportariam os personagens dos senhores, Salvo Montalbano e Grazia Negro, se topassem ambos com um cadáver? Como interagiriam numa investigação? Podem me contar?”. E quando já estavam os dois bolando parte da história suposta, Gennaro complementa “Ah, não, agora os senhores vão escrever essa história!”, e concordaram.
A obra foi publicada em junho de 2010, mas chegou ao nosso país três anos depois por meio da editora Bertrand Brasil, por sinal, com uma ótima tradução de Joana Angélica d´Avila Melo.
A leitura é leve e rápida. Constantemente convidando o leitor a juntar as pistas e a participar do processo de investigação. E aí, aceita?