regifreitas 12/10/2021
ASCO: THOMAS BERNHARD EM SAN SALVADOR (El asco, Thomas Bernhard en San Salvador, 1997), de Horacio Castellanos Moya; tradução Antônio Xerxenesky.
Edgardo Vega, o protagonista de Moya, é, em quase tudo, um sujeito deplorável: colérico, misógino, elitista e arrogante. Quando jovem, tão logo teve oportunidade, saiu de El Salvador e foi morar no Canadá, onde trabalha como professor de História da Arte em uma universidade daquele país. Após anos vivendo em autoexílio, ele retorna ao seu país natal em virtude do falecimento de sua mãe, para cuidar das questões burocráticas envolvendo essa morte. Nunca antes havia voltado. Em um bar local, ele encontra um velho amigo de infância. É o ponto de partida dessa história.
O livro é um longo monólogo, em um único parágrafo, sem pausas, reproduzido por um interlocutor nomeado como Moya, o tal amigo de infância. Esse interlocutor ouve, mas não se pronuncia para além do “me disse Vega”, que pontua ocasionalmente o jorro verbal de indignação de Edgardo. Já este não poupa nenhum aspectos da vida política, social, cultural e mesmo da gastronomia do país que ele detesta com todas as suas forças. É uma visão pouco lisonjeira de El Salvador - amarga, indignada e por vezes extremamente afetada e esnobe.
Quando do seu lançamento, o livro fez um relativo sucesso, fazendo com que o próprio Moya, autor, chegasse a receber ameaças de morte. Muitos leitores salvadorenhos se sentiram ofendidos pela visão mesquinha e pouco patriótica do protagonista da obra em relação ao país, ao ponto de confundir o autor com sua criação ficcional. Creio, contudo, que o objetivo de Moya era principalmente chamar a atenção para os problemas do país, valendo-se para isso de um personagem muito pouco gostável e até risível, cujos ódios e rancores em relação à terra natal foram deliberadamente intensificados para esse fim.
Acompanhar protagonistas desse tipo, pelos quais a maioria dos leitores provavelmente antipatizarão, não é uma tarefa fácil. Por isso mesmo a habilidade narrativa demonstrada por Moya aqui só me faz querer conhecer ainda mais outras obras suas.