jota 04/09/2018Asco - Thomas Bernhard em El SalvadorEm vez de Europa (Salzburgo ou Viena), América Central (San Salvador). Em vez de Thomas Bernhard, Horacio Castellanos Moya. Em vez de Extinção (Companhia das Letras, 2006), Asco (Rocco, 2013). Nesses dois livros há um personagem vivendo no exterior há bastante tempo, agora de volta para casa. O de Extinção vivia em Roma, o de Asco, em Montreal. Nem de longe eles lembram filhos pródigos. Estão voltando, a contragosto, unicamente para o funeral de um parente: o pai em Extinção, a mãe em Asco. E aí vem um retrato impiedoso do país de cada qual.
Bem, enquanto a Áustria está mais para Alemanha do que para Albânia, por exemplo, El Salvador em 1997, de acordo com Moya, estava mais para o Haiti do que para o Brasil, por exemplo. Asco foi lançado naquele ano e só chegou por aqui em 2013 (na ótima tradução de Antonio Xerxenesky), depois de fazer sucesso mundo afora, de ter despertado o ódio de muita gente e de ter rendido várias ameaças de morte ao autor salvadorenho, no entanto nascido em Honduras, assim como o austríaco Bernhard nasceu na Holanda.
Em poucas páginas Moya detona o pequeno país da América Central que, como não poderia deixar de ser, tinha – e ainda tem – muitos dos problemas que há séculos afetam as nações latino-americanas. Daí que não somos, o Brasil não é, apesar dos pesares, assim tão diferente de El Salvador: corrupção, violência generalizada, pouco caso com a educação, saúde, transportes, segurança pública, patrimônio histórico (adeus, Museu Nacional), os três poderes republicanos infestados por gente da pior espécie etc.
Procurando informações sobre o país, encontrei uma notícia de três meses passados que mostra que, descontadas muitas diferenças, há algo mais entre Brasil e El Salvador do que supõe nossa pobre imaginação. Ei-la: "Ex-primeira-dama de El Salvador, a brasileira [fulana de tal], é presa. Ela é suspeita de participar de uma rede de corrupção vinculada ao ex-presidente Mauricio Funes." Funes, como se sabe, é muy amigo do presidiário Lula. Assim como do que há de pior na América Latina: Maduro, Ortega, Morales, Kirchner...
E tem mais: em 1980 a extrema direita salvadorenha assassinou o arcebispo Oscar Romero enquanto ele celebrava uma missa em um hospital da capital. Romero frequentemente denunciava a repressão e a pobreza em seus sermões. Aqui a direita matou Chico Mendes, para lembrar de apenas um de nossos mártires. Por outro lado, Moya também nos recorda que El Salvador é "(...) um país onde os seus próprios camaradas esquerdistas assassinaram em 1975 o mais importante poeta nacional, Roque Dalton, sob a acusação de ele ser agente da CIA." Lembrou de alguém por aqui mesmo? Essas histórias não são tão estranhas assim para nós, brasileiros...
Continuando, se o leitor nunca leu Thomas Bernhard e se, menos ainda, colocou os olhos em Extinção, uma de suas obras-primas (outras são seguramente Origem, O Náufrago, Transtorno etc.), talvez então não aproveite (ou mesmo aprecie) o livro do salvadorenho em sua totalidade. Como nos livros do austríaco, através de um monólogo torrencial, pleno de crítica e acidez, o personagem de Asco demole uma cidade, um país e suas instituições, seus habitantes todos, tudo num único e longo parágrafo. No qual palavras e frases são repetidas à exaustão, de forma cadenciada como que para sedimentar com concreto a ira e a revolta despejada contra o país centro-americano.
Asco é uma pequena obra-prima e, se faz pensar (principalmente nas nossas eternas mazelas), também deve ser lida como um livro com certo humor, pois o autor foi muito além de seu objetivo explícito de, num exercício literário, imitar a escrita de Thomas Bernhard. Conforme ele mesmo admite em Nota do Autor, presente nesta edição da Rocco. Ela ainda traz o interessante posfácio de Adriana Lunardi, A Happy Hour de Moya. Asco é um livro curto, pequeno, e para repetir um clichê, se nos menores frascos estão os melhores perfumes, pode ser também que nos pequenos livros se encontrem as melhores narrativas.
Lido entre 02 e 04/09/2018. Minha avaliação: 4,7.