marcuss 17/04/2016
A Fúria do corpo perpassa a história de um narrador sem nome, o meu nome de hoje poderá não me reconhecer amanhã, e de Afrodite, o grande amor desse narrador. Suas ações, seus desejos, suas mazelas, suas dores, suas pequenas alegrias, suas esperanças, todas são exploradas ao extremo pela via do corpo. São dois corpos de deambulam sem rumo, agem como se tudo fosse eterno e ao mesmo tempo tão provisório que pensar no futuro chega a ser algo em vão.
Aparentemente é um livro que segue sempre em frente. Mas não. É um livro que as marcas do passado transtornam o presente e sempre desfazem o futuro. Essas memórias do narrador são tão potentes que o mudam, que o transformam em outros seres. Esse sujeito partido em milhões de cacos é sintomático em Noll, é parte de sua poética, é a grande lição que ele deseja nos transmitir, que ele deseja nos angustiar.
A fúria do corpo trata da luta do corpo contra os próprios sentimentos, contra os próprios desejos, contra a própria Cidade. E a Cidade, como tantos outros tropos, é um abstrato que consome o corpo pela impossibilidade de ele não pode se fixar, de ter de seguir em frente, de ter de se debater com outros corpos que lhe são oferecidos no caminho. A fúria acontece nesse relacionamento entre os corpos, muitos corpos de si mesmo ou muitos outros corpos, e a Cidade.
Por fim, a fúria dói, é o último e necessário entendimento:
Quando a gente se encontrava você dizia meu coração tá doendo, toca aqui. Eu tocava no coração com a mão espalmada sobre teu peito e sentia o coração responder: pulsava ali uma outra vida que não a minha, um outro ser vivo no mistério mas tão mineral que eu podia tocar, alisar na minha ternura, apertar com o ódio de quem possui o que não é seu e que no entanto se dá. Um coração apaixonado. O coração pulsava feito uma pomba na mão, batia contra o meu tato todo cheio de fantasia o coração você me dizia vem, e em cada convite mais uma curva do labirinto se desenhava; eu enfrentava mais uma curva e me perdia mais uma vez ao teu encontro. E cada encontro nos lembrava que o único roteiro é o corpo. O corpo.