Ivy 11/07/2015Um Retrato sensível, honesto e verdadeiroFoi muito gratificante poder ler esse livro. "Mulheres de Cabul" é um livro documentário, com fotos e informações reais. Muito diferente do tipo de leitura à que estou acostumada e para mim tem sido uma ótima experiência. Terminei o livro em poucas horas (ele não é muito grande, além de conter muitas fotas entre as páginas).
Por se tratar de uma história real, um livro documentário, não há um personagem principal. A fotógrafa Harriet Logan esteve no Afeganistão durante os anos de 1997 e 2001, colhendo os depoimentos de muitas mulheres. Mulheres comuns, sofridas, algumas estudadas, outras privadas até da educação mais básica. É muito interessante notas as diferenças de opiniões das mulheres e em alguns muitos pontos do livro eu me identifiquei, eu me envolvi com algumas das histórias daquelas Mulheres de Cabul.
Eu sou originária da Síria, da cidade de Jaramana. Como todos devem saber, nesse ano, a Síria completou 4 anos de uma terrível guerra civil. Muita coisa aconteceu nesses 4 anos, coisas tristes. São milhares de mortos (calcula-se que foram mais de 200 mil mortos), são quase 4 milhões de refugiados e a Síria, que antes foi conhecida no Oriente Médio como um país de paz, abrigo de todos os povos, de todas as religiões, exemplo de convivência pacífica, se tornou um rio de sangue, e a tolerância que marcava meu povo, deu lugar à estrangeiros de diversos países, integrantes de grupos jihadistas radicais como a Frente Al Nusra e a versão piorada de tudo o que pode haver de mal no mundo, o Estado Islâmico (Daesh). O Daesh tem ocupado diversas cidades no Norte da Síria, incluindo parte de Aleppo, Deir Ezzor e Ar-Raqqah. Ninguém sabe com exatidão o que acontece à fundo nas cidades dominadas por esse grupo, apenas sabemos que a versão mais radical da Sharia opera em suas cidades e infelizmente, mortes, castigos e torturas se tornaram cotidiano na vida dos sírios.
O Afeganistão passou por situação semelhante no passado (embora o Talebã não chegou à alcançar o extremismo do EI). As leis impostas pelo EI são muito parecidas com o que foi imposto pelo Talebã à 18 anos atrás (a proibição de musica, mulheres inteiras cobertas (no caso do Talebã ainda pior, porque eles impunham a burkha), a proibição das mulheres andarem sozinhas na rua, punições absurdas e violentas por motivos banais, a proibição das mulheres trabalharem e até de frequentarem as escolas, a proibição da música, das fotografias). Não é fácil. A tristeza é como uma doença, um câncer invisível que não pode não te matar fisicamente, mas te destrói psicologicamente. O cenário de guerra e o extremismo gera seres humanos que precisam ser urgentemente tratados, gerações inteiras são perdidas, e isso precisa ser corrigido pelos líderes mundiais.
Hoje, o caso da Siria por exemplo, para nós que vivenciamos, conhecemos, temos família, sabemos o quanto é desesperador. O extremismo tende a piorar se não for resolvido á princípio, as pessoas acabam se acostumando à violência e se tornando seres humanos insensíveis e voltar às origens, alcançar a paz acaba sendo mais do que um desafio.
Hoje, após a queda do Talebã, o Afeganistão enfrenta isso. Tentar alcançar uma estabilidade, uma liberdade e uma paz que durante décadas eles jamais conheceram.
O depoimento das mulheres é muito especial e creio que Harriet conseguiu produzir um livro super valioso. Não é fácil você conseguir fotografar gente que foi oprimida a vida inteira. Não é fácil você conseguir o relato de alguém que viveu com medo como companhia. Essas mulheres foram extremamente corajosas, assim como foi a fotógrafa Harriet, em fazer essa viagem (em 97 em pleno auge do regime Talebã) e colher essas informações sem medo.
Eu não conhecia muito a história do Afeganistão. Eu era bem pequena quando aconteceu tudo, a liberação de Cabul do regime talebã, então eu não tenho certeza se houveram mais documentos como os de Harriet, mas eu realmente recomendo esse livro à todos, homens, mulheres. Essas pessoas são parte da humanidade e estiveram ali tantos anos, esquecidos pelos ditos países desenvolvidos - ocidentais.
Eu tenho uma opinião muito firme quanto ao comportamento da mulher. Talvez seja minha origem síria ou talvez seja minha religião protestante que me deu essa visão, mas eu acredito realmente que para tudo à que se ter o equilíbrio. A burkha é um absurdo, um atentado à liberdade individual e o islã nunca impôs a burkha. Vale lembrar que o Islã impõe que a mulher cubra os cabelos (como também pede a Bíblia em Aos Corintios), então a burkha é uma invenção extremista dos homens. Me incomoda e me dá tristeza ver aquelas pobres mulheres mal podendo enxergar através de suas burkhas, sempre imaginei quanta tristeza por trás daquelas burkhas. Mas a realidade ao final superou minha imaginação. Também acho absurdo e um atentado à minha liberdade e à liberdade alheia mulheres semi nuas na rua ou até inteiramente nuas (como no caso das ativistas do Fêmen). Para tudo à que se ter limite e equilíbrio. E acredito que as mulheres, que são o simbolo da delicadeza e da graça, devem cuidar disso sempre, e buscar o equilíbrio, que não está na opressão extremista imposta por homens maus, mas também não está no liberalismo vulgar proposto por pessoas que se dizem modernas, mas seguem filosofias igualmente radicais às do Talebã, apenas os valores que foram invertidos.
As mulheres que Harriet entrevistou enfrentaram prisões apenas por terem sido flagradas estudando. Foram espancadas apenas porque a burkha levantou e mostrou parte do tornozelo. Foram estupradas, perderam os seus maridos nas guerras com os mujahideen, nas minas. Nesse livro vemos que por trás da burkha habitam verdadeiras guerreiras, dignas de honra, mulheres que merecem aplausos e reconhecimento, proteção e carinho. Mulheres que criaram seus filhos sozinhas, com 20 dólares por semana. Mulheres que arriscaram a vida, burlaram as duras leis do Talebã para poder sobreviver. É um relato precioso e forte. Essas mulheres são o meu orgulho, elas são verdadeiramente mulheres. Mulheres afegãs, vocês me representam.
Um fato interessante que notei no livro é que mesmo após a queda do Talebã, muitas mulheres seguiam com a Burkha. Elas tinham medo de se liberarem da Burkha, por causa dos homens. Elas diziam que se sentiam seguras assim.
Esses são os frutos que o extremismo e o radicalismo deixa. O medo. A tristeza. A opressão. Vale lembrar que existe o extremismo religioso, opressivo do caso do Talebã, mas também existe o extremismo liberal, no caso do Fêmen. Pois é de imenso desrespeito o que essas moças fazem em igrejas ou mesquitas. Há pouco tempo atrás elas fizeram campanhas contra o uso dos niqabs pelas muçulmanas, e isso realmente é absurdo, porque cada um nasceu livre, Deus nos fez livre e não cabe ao Talebã o ao Fêmen decidirem como eu serei.
Eu não sei se eu sai da resenha e isso acabou se tornando mais um texto relato, desabafo. Perdoem se foi o caso. Mas eu queria deixar registrada a minha opinião.
Como eu disse, é um livro curto, emocionante, interessante, com relatos de várias mulheres, de diferentes níveis sociais, interessantes personalidades (haviam senhoras que odiavam o Talebã e havia uma jovem que aprovava o extremismo deles). São histórias que te fazem refletir, sofrer junto com essas mulheres, amá-las, admirá-las, querer abraçá-las e te fazem acordar para uma outra realidade e descobrir que por trás da burkha existe um ser humano, que merece dignidade, uma vida.
Recomendo muito esse livro. Desde os adolescentes de 13 anos até alguém de 90 anos. Leiam, leiam, leiam. Não ignorem o recado das mulheres afegãs. É uma lição preciosa para a humanidade e à partir do momento em que somos conscientes dos nossos erros, fica mais fácil não deixar que eles se repitam.
Altamente recomendável. Leiam, é curto, rápido e mudará a visão de vocês.
site:
http://completamenteliteraria.blogspot.com.br/