Lucas.Sampaio 17/11/2020
O neo-naturalismo de Ana Paula Maia
Uma das concepções mais comuns quando pensamos no naturalismo, é imaginar uma classificação literária exclusiva dos últimos anos do século 19, seja no Brasil, ou no campo literário de forma geral. No entanto, o naturalismo, com (quase) todas suas características andam presente como nunca na nossa literatura através da talentosa Ana Paula Maia.
Através de livros como ?Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos?, ou até no mais recente ?Enterre seus mortos?, a autora vem mostrando uma grande habilidade para construir personagens, cenários e narrativas próximas a concepção naturalista, no entanto, com um olhar moderno e cinematográfico sobre questões sociais tão antigas, mas ainda assim atuais.
No seu terceiro livro, ?Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos?, obra responsável por desencadear sua fama, e também por apurar a técnica narrativa da autora, a Ana Paula Maia conta a história de ?homens bestas?, em sua própria concepção, que trabalham de forma incansável, fazendo o trabalho sujo dos outros.
Dentre as características mais comuns do naturalismo, como temas sociais polêmicos e obscuros: nas duas novelas presentes no livro ?Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos?, temos personagens que convivem com zoofilia, assassinato, mutilação, pedofilia.
Seja na narrativa homônima ao livro, que conta a historia de dois companheiros que trabalham em um matadouro ilegal de porcos, ou até na segunda, chama de ?O trabalho sujo dos outros?, em que temos irmãos que trabalham paralelamente com recolhimento de lixo, quebra de asfalto, e desentupimento de latrinas, esgotos etc.
Outras características, como personagens que possuem patologias: seja no caso de personagens quase surdos pelo trabalho exercido (quebrar asfalto com britadeira), um personagem morrendo pela falta de um rim, que ironicamente havia doado a irmã a pouco tempo.
Até a zoomorfização, momento em que o personagem humano é comparado a um animal, característica comum ao naturalismo, com trechos como: ?Cão de rinha é um cão que não teve escolha. Ele aprendeu desde pequeno o que o seu dono ensinou. Podem ser reconhecidos pelas orelhas curtas ou amputadas e pelas cicatrizes, pontos e lacerações. Não tiveram escolhas. Exatamente como Edgar Wilson, que foi adestrado desde muito pequeno, matando coelhos e rãs. Que carrega algumas cicatrizes pelos braços, pescoço e peito. São tantos riscos e suturas na pele que não se lembra onde conseguiu a metade. Porém a marca da violência e resistência à morte de outros animais nunca tiraram o brilho de seus olhos quando contempla um céu amplo. Dia ou noite, ele passa boa parte do seu tempo olhando para cima. Quem sabe espera que alguma coisa aconteça no céu ou com o céu... talvez queira retalhar algumas nuvens com seu facão.? (p.69)
A prosa da Ana Paula Maia está no hall dos grandes feitos da geração contemporânea da literatura no Brasil, com escritos que são socialmente engajados, sem ser panfletários em momento nenhum, enxergando questões sociais pertinentes e sempre tocando na ferida aberta, e olhando para tipos que a sociedade costuma ocultar.
Um novo olhar sobre uma técnica literária que continua atual, pois a desigualdade social ainda existe.