Renata CCS 14/12/2018A interminável morte que é o viver."Aceitar as adversidades da vida é mostrar pra ela que você faz questão de viver." (Charlison Daniel)
Alma, 44 anos, artista plástica, é a narradora de MINÚSCULOS ASSASSINATOS E ALGUNS COPOS DE LEITE, da escritora Fal Azevedo, que nos presenteia com uma escrita com construção diferente, que não segue os padrões (se é que isso existe) dos romances que circulam por aí. A autora esbanja sensibilidade e bom humor para tratar, acima de tudo, de perdas.
O livro é um mergulho na vida de Alma, e é pelo olhar dela que nos movimentamos, percebemos o mundo e somos sugados pela história. A protagonista vai relembrando fatos de sua vida, que é, em grande parte, composta por muitas dores e perdas. Mas engana-se quem achar que o livro faz o gênero “pobrezinha de mim”, pelo contrário: a protagonista sabe rir de si mesma e tem consciência dos seus erros e suas consequências, tudo isso envolvido num humor inteligente e irresistível.
O livro tem uma linguagem despreocupada, mas não é, em nenhum momento, descuidado. A obra de Fal Azevedo permite refletir sobre a vida e, principalmente, sobre a morte. E a morte, mais que uma presença, é quase protagonista, mas, como já mencionei acima, isso não quer dizer que a vida de Alma seja só lamentos: é uma vida comum, com altos e baixos, como a de todo mundo. Poderia ser essa a narrativa da vida de qualquer um: a tristeza que Alma expõe ao leitor não é intimidante, porque é a nossa prostração do dia a dia, aquela inevitável. A narrativa segue serena, pulverizada de frases reflexivas, delicada e extrovertida, sem grandes sobressaltos, apenas como a vida deveria ser apreciada com delicadezas e contemplações de quem quer seguir tranquila na busca de sua felicidade pessoal.
Não há uma ordem cronológica na narrativa, a trama é fracionada, e não apenas salta de um tempo a outro, mas também de um estado a outro. Fal afronta o senso comum, denuncia as inquietações resultantes das batalhas que todos nós enfrentamos no dia a dia. A sua escrita reproduz a realidade dos que moram nas grandes metrópoles: pessoas com respiração curta, afobadas, que sempre têm pressa. E não tem isso de ver o desagradável sem se importar. Vê-se o que desagrada, o que aborrece, o que não é (nada) bonito. Vê-se o choro, as vontades, as alegrias, as estranhezas e as dúvidas. Vê-se a vida, enfim, com os minúsculos assassinatos que todos nós cometemos todos os dias.
Densa, bem humorada, inquietante e sombria, sem que isso signifique depressiva, a narrativa de Fal Azevedo é a voz da valorização sensível e crítica do mundo, e uma consciência delicada e profunda a respeito da condição humana, constantemente a mercê da paixão. Não fosse o talento de Fal Azevedo, com seu humor imbatível, o livro traria na certa o aroma da angústia.
MINÚSCULOS ASSASSINATOS E ALGUNS COPOS DE LEITE é um livro emocionante e envolvente. Seu ritmo é perfeito, há capítulos encantadores, bem escritos e bem pensados, que nos pegam pela mão e levam a uma história sobre uma dor gigantesca, e aos limites dessa dor e a superação, até onde isso é possível.
Ficamos em estado de profunda reflexão ao término da leitura. Parece mentira, mas não é difícil encontrar quem coloque a literatura nacional na estante das coisas dignas de aplausos.