Daniel 04/07/2012Amor e amizadeGostei muito desse livro. Terminei uma releitura, e minha impressão só melhorou.
William, o personagem principal, é um jovem rico, bonito, gay e bem resolvido de 25 anos, que vive em Londres no começo dos anos 80. Paralelamente a seus relacionamentos afetivos, ele inicia uma amizade com um senhor mais idoso, Charles Nantwwich, que deseja que Will escreva sua biografia. Charles na juventude foi administrador de colônias do Império Britânico na África. Através dos diários de Charles, que foram entregues a Will para que este colha os dados biográficos, tomamos conhecimento da juventude de Charles, no tempo em que a homossexualidade era considerada crime na Inglaterra.
Histórias engraçadas, sensuais (as vezes bem explícitas) e comoventes se entrelaçam. É interessante comparar as descrições pudicas nos diários de Charles com as experiências nada recatadas de Will nos clubes, cinemas e discotecas de Londres. Mas mais que os relacionamentos amorosos ou puramente sexuais, são os laços de amizade com o médico James ou com o velho senhor Charles que marcam as partes mais emotivas.
O título, um tanto estranho em português, tem várias interpretações ou sentidos: Will explica que os monitores de sua escola eram chamados de "bibliotecários"- o da Capela, o do salão, o do críquete. Will foi designado como o "bibliotecário da piscina". Quando adulto, Will recebia emprestados livros gays do salva-vidas da piscina do clube; e ainda: na casa de Charles a sua biblioteca ficava num porão onde havia um mosaico da época do império Romano, representando uma cena numa piscina.
Os temas principais do enredo: as difíceis relações entre as pessoas (relações familiares, homoafetivas, sociais, etc); a evolução de como a homossexualidade era vista no século XX na Inglaterra; e a homofobia, presente desde as experiências desbravadoras de Charles, passando pelo ataque de skinheads sofrido por Will, chegando à prisão "armada" de James.
A trama guarda surpresas para o protagonista Will (e para o leitor), sobre o destino entrelaçado do passado de alguns personagens... E todo o romance de certa forma homenageia Ronald Firbank, um escritor gay britânico desconhecido no Brasil.
Ao mesmo tempo em que há muita sedução e sexo no livro, há da mesma forma a melancolia da decadência física, da perda da juventude e da beleza. A velhice assombra o livro, e isso é ainda mais assustador num meio onde o que manda é você ser jovem e lindo. O jovem Will percebe um padrão se repetindo, sua vida espelhada na vida do velho lorde, seus desejos sendo os mesmos, apesar da diferença de idade e dos costumes das épocas diferentes.
Alan Hollinghurst é um autor tão competente que mesmo num livro com temática restritiva - uma história onde praticamente todos os personagens são gays (não há uma personagem feminina! A irmã do protagonista é apenas citada) - ainda assim cria uma leitura interessante, independente da orientação sexual do leitor. O leitor tem que só ficar um pouco atento com alguns nomes. São tantos personagens masculinos, com nomes às vezes parecidos, que pode haver alguma confusão.
Os principais são (sem spoiler!):
- William Beckwith, Will, 25 anos, o protagonista que narra sua história
- Charles, Barão Nantwich, 83 anos, aristocrata ex administrador de colônias do Império Britânico;
- Arthur Hope, namorado negro de Will, da classe operária
- James Brook, melhor amigo de Will, médico, fã do romancista Ronald Firbank
- Bill Shillibeer, treinador de meia idade do Corinthian Club (ou Corry)
- Phil, garçom de um hotel de luxo que Will o conhece na piscina do Corry
- Ronald Staines, fotógrafo "artístico" de apelo homoerótico
- Sir Denis Beckwith, avô conservador de Will
- Rupert ou Roops, sobrinho de Will, de 6 anos de idade
- Abdul: o cozinheiro do clube de Charles
- Taha: empregado africano de Charles
- Colin: outro frequentador da piscina do Corry, que foi fotografado por Staines
Felizmente toda a ação se passa sem ser assombrada pela AIDS, que traria novas mudanças, ainda mais radicais, a partir daquela década - tema que é abordado em outro livro deste autor, "A Linha da Beleza".
Mesmo sendo de gerações muito distintas, Will Beckwith e Charles Nantwich acabam tendo muita coisa em comum, além da homossexualidade e das origens na alta classe social inglesa, mas isso não oferece proteção total contra o preconceito. O livro é uma celebração ricamente elaborada do prazer masculino e enfatiza a importância de se familiarizar com a dor daqueles que vieram antes.
Rotular é péssimo, restritivo, mas vá lá: é o melhor livro gay que já li.