@pedro.h1709 01/02/2021RelativizandoO presente título de Roberto DaMatta é um trabalho difícil de avaliar. Devo confessar que iniciei a leitura do livro intitulado "relativizando" uma ou duas vezes anteriormente, tendo me interrompido logo na metade; não porque a explanação de teorias fosse muito complicada e com linguagem específica do campo da antropologia, mas por causa da argumentação arbitrária do autor quando se referindo às outras áreas de conhecimento humano, ignorando deliberadamente várias evidências científicas ou outros pontos de percepção acadêmicos de maneira ingênua senão tendenciosa, para a validação da antropologia social, apesar de se propor a relativizar as ideias previamente concebidas quantos as sociedades e culturas humanas.
Diante do exposto, fiz alguns apontamentos críticos ao texto do autor, que apresentarei a seguir, mas seria inadequado arrolá-los todos aqui:
TEXTO 01
"É claro que devemos defender os direitos das nossas populações tribais. É evidente que devemos chamar atenção e denunciar as injustiças contra elas. Mas isso não deve ser feito em nome de uma atitude condescendente, superior, como se eles fossem uma espécie de humanidade em extinção, liquidada por seu próprio atraso cultural. Como se eles fossem animais de estimação como o bisão ou o elefante, que nós temos a obrigação estética de defender e proteger."
Pág 13
CRÍTICA - Apesar de concordar com o aspecto social, aparentemente o autor não considera a importância da preservação das demais espécies animais, integrantes importantes para a manutenção de um ecossistema fechado e funcional. A preservação das espécies biológicas não se trata de estética.
TEXTO 02
"Na maioria dos casos, o cientista natural resolve um problema simplesmente para criar tecnologias indesejáveis e, a longo prazo, mortíferas e daninhas ao próprio ser humano"
Pág 22
CRÍTICA - O autor ataca as ciências naturais como se tivessem por objetivo principal e corriqueiro atacar outro ser humano, quando na verdade, qualquer conhecimento pode ser utilizado tanto para bem quanto para o mal.
TEXTO 03
"No caso do cientista social... os resultados em geral não tem consequências na mesma proporção da "ciência natural". São poucas as teorias sociais que acabaram tornando-se credos ideológicos, como racismo e a luta de classes, adotados por nações e transformados em valores nacionais."
Pág 22
CRÍTICA - O autor desconsidera como as ciências e ideologias sociais podem ser responsáveis pela motivação ou fomentação de conflitos, seja os citados por ele próprio como racismo e a luta de classes, seja o conflito armado, atribuído pelo autor como de responsabilidade da ciência natural.
TEXTO 04
"O arqueólogo trabalha por meio de especulações e deduções, numa base comparativa, balizando sistematicamente seus achados do passado com o conhecimento obtido pelo conhecimento contemporâneo de sociedades com aquele mesmo grau de complexidade social".
Pág 34
CRÍTICA - A utilização da expressão "sociedades com mesmo grau de complexidade social" não seria apenas uma manutenção velada da mesma prática condenada pelo autor de classificar sistemas sociais em "degraus" de atraso e progresso. Caso contrário, não existiriam grupos humanos com grau de complexidade social maior ou menor que outros, apenas organizações distintas, sem lugar para uma graduação ou mensuração entre elas.
Após algumas más impressões de doutores em suas abordagens particulares sobre assuntos específicos passei a questionar se a designação dos doutos não se trata apenas de meros títulos e não de alguma equivalência real à sabedoria, tal qual evidência Descartes em sua obra "O Discurso do Método" ao relatar que "... estivera numa das mais famosas escolas da Europa, onde pensava que deviam existir sábios, se é que existe em algum lugar da terra."
No entanto, minha percepção não é de todo crítica. Há muitos aspectos importantes abordados por Roberto Da Matta como sua explanação do "Racismo à Brasileira", no qual evidência não ter existido um conflito tão intenso entre brancos e negros no Brasil como houve na América do Norte devido à adoção da concepção de raças humanas intermediárias e à organização extremamente hierarquizada de nossa sociedade na qual, segundo o autor, "cada coisa tem o seu lugar e cada lugar tem a sua coisa", desta maneira, o negro, antes escravo e depois livre não cria uma grande desestabilização social, já que ele tem as suas próprias funções como que complementares às funções do dominador.
O autor aborda também aspectos de genealogia de sociedades tribais que permitem a reflexão quanto às concepções puramente biológicas que explicariam as relações familiares e psicológicas sociais como, por exemplo, o entendimento de que os pais protegem os filhos por questões de preservar os seus genes ou que o pai é a figura que deve desempenhar um papel dominador de oposição ao filho que enfrentará o complexo de Édipo durante sua maturação, quando em outras sociedades o pai não apresenta papel determinante na educação de seus descendentes, sendo realizada por outra figura masculina, ou ainda, quando o papel de dominador é exercido pelo tio enquanto o pai apresenta evidentemente um papel de amizade e igualdade para com o seu filho.
"Por outro lado, como a paternidade entre os Apinayé só parece operar realmente em contextos fisiológicos, definindo obrigações sociais de modo residual que nada tem a ver com a transmissão de herança, títulos ou direitos a pertencer a grupos sociais importantes, ela não tem o mesmo papel entre eles que pode assumir entre nós. Por causa disso, encontramos muitos Apinayé que não sabem o nome de seus genitores ou têm dificuldades em lembrar seus nomes. O pater substitui perfeitamente bem essa figura que, no nosso universo de parentesco, é tão importante".
Pág 227
Por fim, a leitura é válida, sendo necessário sempre uma percepção crítica através da qual não se aceita simplesmente como real tudo o que se lê, mas se é capaz de diálogar com os argumentos apresentados pelo autor.