Carla.Parreira 10/10/2023
Ídolos de barro
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Foi uma leitura que me fez viajar junto de seus personagens. Conta sobre uma jovem russa que nasceu nas primeiras horas do século XX e que, vivendo uma infância difícil ao ver à mãe submissa apanhando do pai e tornando-se uma mulher bela, talentosa, envolvente e decidida, utilizou-se dos poderes da sedução para conquistar a glória dos palcos de Paris durante a ?Belle Époque dos Cabarés?. Numa de suas falas ela diz que a vida é uma grande prostituição, pois todos se vendem de alguma forma e por algum preço. Vendem sorrisos, atenções, cuidados, trabalhos, tempo e até o próprio corpo, a outros, mediante uma satisfação em dinheiro proporcional ao que realizaram. Nem sempre se satisfazem ou têm prazer no que fazem, mas gostam do dinheiro e julgam que de outra forma não o ganhariam. Interessante essa colocação, mesmo que ela não justifique a prostituição de vender o próprio corpo. Concordo com a opinião da personagem principal e acho que só não é prostituição o trabalho que realizamos com consciência do seu beneficio pessoal e principalmente coletivo. Só não é prostituição quando trabalhamos com devoção fazendo algo que amamos. Sempre fui de acreditar que o retorno financeiro é apenas a consequência, e não o foco principal, mas é claro que milhares de pessoas trabalham visando apenas à consequência e não o beneficio daquilo que realizam, seja como realização pessoal ou enquanto progresso coletivo.
Bem diz o livro que trabalhar no que gostamos é fator de realização e crescimento, independente de ter ou não quem nos admire na atuação do mesmo.
A historia fica trágica quando a personagem principal sofre um acidente com o homem que foi o grande amor de sua vida. Ele desencarna e ela fica desolada, mas do outro lado da vida ele tenta ajudá-la a suportar os fatos tristes da solidão imposta pelo destino. Enquanto isso ele aprende que nascemos sós e vivemos essencialmente sós. Temos inúmeras companhias, infinitos afetos a se somarem e multiplicarem ao nosso redor, mas não devemos nos deixar iludir, pois ninguém nos completa, ninguém é imprescindível a nossa existência, assim como não o somos para ninguém. Cada um de nós é um ser íntegro, único, individual e completo por si só. Mesmo o amor que damos e sentimos não leva nada de nós nem nos deixa algo, é apenas uma troca sentimental. Conosco ficam somente as marcas da experiência. Também deixa o ensinamento de que nenhum relacionamento afetivo sobrevive quando alguém se anula. É ilusão crer na doação absoluta ao próximo. Todos necessitam de tempo, espaço e liberdade para a individualidade num contexto coletivo, senão não há harmonia e equilíbrio. Um sempre se sentirá prejudicado e a falta de si mesmo o desnorteará e fará ruir a beleza do afeto, pois nele vão imiscuir-se sentimentos naturais de raiva, atribuirá culpas ao outro por encontrar-se intimamente descontente, tornar-se-á ansioso e mesmo revoltado, julgando ser sempre aquele que tem de ceder, que tem de doar, sentirá esgotarem-se e não renovarem-se as fontes do amor no seu intimo. É uma das razoes pelas quais é comum dizer que amor e ódio andam de mãos dadas e se alternam numa mesma pessoa, manifestando-se em uma mesma relação.
O livro também diz que todos, praticamente sem exceção, têm mais desejos do que reais necessidades e, consequentemente, mais necessidades do que satisfação. Em verdade o ser humano é como um dia amanhecendo, em que a luz solar vai pouco a pouco despertando vida, mostrando as belezas, colorindo, animando, descobrindo o que a escuridão da noite manteve em segredo, fazendo com que tateássemos um pouco perdidos e com pouca liberdade de ação. Quando for sol de meio-dia na nossa existência, tudo será claro e bonito, enxergaremos o que com menos luminosidade não se via e teremos ampla liberdade de ação, sem barreiras naturais.