Euflauzino 25/06/2014A sombra que encerra o lado escuro do ser
Enfim, o derradeiro livro da “Trilogia da Névoa”, do excelente Carlos Ruiz Zafón. Dos três livros este é o que achei de enredo mais fraco, menos envolvente, porém é o que mais me chamou a atenção, pelo simples fato de tratar de um tema que me é muito caro: “Doppelgänger”.
Minha monografia ao concluir a graduação havia sido sobre Doppelgänger, ou melhor, o “Duplo”, em que eu esmiuço essa lenda germânica na obra “Romance negro” de Rubem Fonseca, traçando um paralelo com “William Wilson” de Edgar Allan Poe e “A metade negra” de Stephen King. Entreguei-me a ela com uma paixão adolescente – defendendo a sombra, o duplo, a cópia que se desprende de seu dono para se voltar contra ele próprio. Apaixonante para quem faz, nem sempre para quem lê.
Segundo o próprio autor, As luzes de setembro (Suma de Letras, 232 páginas) retoma o primeiro livro da trilogia, “O príncipe da névoa”, porque, de acordo com ele, havia coisas inacabadas a serem contadas. Para ser sincero não consegui entender a ligação entre os três livros, a não ser a perda da inocência, a maturidade forçada, a mácula à pureza infantil, entremeada pelo fantástico, pelo sobrenatural, por uma força descomunal e avassaladora.
O livro se inicia com uma lembrança descrita numa carta de forma poética e que me faz sempre retornar a Zafón:
“Às vezes acho que todos se foram para algum lugar distante de Baía Azul e que só eu fiquei, preso no tempo, esperando em vão que a maré púrpura de setembro me devolva algo mais do que recordações. Não ligue para mim. O mar tem dessas coisas, devolve tudo depois de um tempo, especialmente as lembranças.”
Após a morte do patriarca da família Sauvelle, Simone, a mãe, encontra-se em dificuldades com seus filhos Irene e Dorian. Mas apesar dos percalços, sempre podemos contar com almas abnegadas:
“Simone não encontrou palavras para agradecer a bondade do velho monsieur Leconte. O comerciante também não cobrou agradecimentos. Num mundo de ratos, eles tinham tropeçado num anjo.”
O velho Leconte, através de seus contatos, consegue trabalho para Simone numa pequena cidade do litoral. A diferença de ambiente quando se mudam de Paris para Baía Azul é gritante, e os que já moraram em uma cidade pequena sabem que nem é necessário jornal, todos sabem da vida de todos:
“Paris era uma cidade de desconhecidos, um lugar onde era possível viver durante anos sem saber o nome da pessoa que vivia no apartamento ao lado. Já em Baía Azul, era impossível espirrar ou coçar a ponta do nariz sem que o acontecimento tivesse ampla cobertura e repercussão em toda a comunidade. Era uma cidade onde os resfriados eram notícia e as notícias eram mais contagiosas que os resfriados.”
Simone passa a trabalhar de governanta para Lazarus Jann, que mora na misteriosa Mansão Cravenmoore com sua esposa doente, inventando e construindo brinquedos:
“… Cravenmoore era o obscuro reflexo do labirinto de solidão em que Lazarus Jann vivia há vinte anos. Cada habitante daquele mundo maravilhoso, cada criação, constituía simplesmente uma lágrima derramada em silêncio… Cravenmoore abrigava maravilhas suficientes para iluminar cem anos de assombro.”
Irene, a filha de Simone, conhece Hannah, cozinheira da casa e tornam-se amigas. Ela lhe apresenta seu primo Ismael e cresce entre eles um vínculo que não poderá ser desfeito, ganhando de presente o diário de Alma Maltisse, morta num naufrágio. Enquanto isso nasce uma amizade entre Dorian e o dono da mansão, Lazarus, que se encanta com o garoto e lhe apresenta o maravilhoso mundo dos brinquedos, e também com a mãe, amenizando sua solidão. Duas almas enclausuradas que se encontram:
“… Cravenmoore era o obscuro reflexo do labirinto de solidão em que Lazarus Jann vivia há vinte anos. Cada habitante daquele mundo maravilhoso, cada criação, constituía simplesmente uma lágrima derramada em silêncio… Cravenmoore abrigava maravilhas suficientes para iluminar cem anos de assombro.”
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