Silvana (@delivroemlivro) 19/01/2021
Morrer de verdade
Aqui nos deparamos com um dos personagens mais impressionantes da literatura e, surpreendentemente, tão pouco mencionado nos meios literários: Wolf Larsen.
Larsen é feito da mesma matéria que moldou o capitão Ahab de "Moby Dick", o comerciante de marfim Kurtz de "Coração das Trevas" e o patriarca dos Karamázov.
Esse homem "sem ficções" é um monstro, é um sábio, é solidão, é ninguém, é todos nós, é Prometeu, é Lúcifer. Acima de tudo, lúcido, terrivelmente lúcido!
Por acaso me deparei com esses trechos de "Livro do Desassossego" do Fernando Pessoa que me parecem perfeitamente adequados para definir tão extraordinário personagem:
"Quem cruzou todos os mares, cruzou somente a monotonia de si mesmo."
"Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é somente ser mudado de cela. (...) Para compreender, destruí-me. Compreender é esquecer de amar. (...) A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distração especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir. (...) Tudo em nós é acidente e malícia (...)."
Personagem dos mais complexos, capaz de atos repugnantes, raciocínios de uma coerência absoluta, desprezo pela vida alheia, tortura, perfeita compreensão da natureza humana e da lógica perversa do trabalho e da estrutura social.
Ao longo da leitura, Wolf Larsen será odiado, admirado, odiado novamente e, ao final, possivelmente, parcialmente compreendido: deixará um vazio na mente (e no coração?) do leitor: esse ser pensante, autodidata, com tanto potencial... que lástima, que desperdício! Eis a grandiosidade (para o bem e para o mal) desse personagem, eis a genialidade de Jack London!