denis.caldas 31/12/2018RessentimentoO maravilhoso Orwell, por flertar com o anarquismo, tem o dom de atrair socialistas e capitalistas pois, os primeiros gostam de suas críticas ao capitalismo e os segundos se deliciam com as suas ironias com o que ele chama de "socialista de gabinete" (veja o nosso amável Ravelston, que se preocupa com os proletários desempregados, se envergonha da própria renda, mas mantém sua vida burguesa tranquilamente).
A maior parte do livro é recheada de um ressentimento típico contra o dinheiro e aqueles que o detém. O nosso herói Gordon que, apesar de talentoso e com futuro promissor em uma agência de publicidade, opta por se empregar em um emprego miserável e viver fora do sistema capitalista.
No final, eu não diria que é uma redenção, mas descobre que pode-se viver dignamente no mundo do dinheiro e não se desonrar, afinal de contas é um sistema natural e não uma imposição de cima para baixo.
"Começou a pensar nas pessoas que moravam em casas como aquelas. Deveriam ser, por exemplo, caixeiros, empregados de escritórios, viajantes comerciais, vendedores de seguro, condutores de bonde. Sabiam eles que não passavam de marionetes a dançar, enquanto o dinheiro puxava os cordões? Você podia apostar que não sabiam. E se viessem a saber, por que se importariam? Estavam todos ocupados nascendo, casando-se, procriando, trabalhando, morrendo. Não deveria ser um mal, se você soubesse manobrar a coisa, sentir-se como um deles, fazer parte enfim da manada humana. A nossa civilização funda-se na ganância e no medo mas, dentro das vidas dos homens comuns, a ganância e o medo transmutam-se misteriosamente em alguma coisa mais nobre. As pessoas da classe abaixo da média ali, por trás das suas cortinas rendadas, com suas crianças, suas escassas peças de mobília e suas aspidistras, sem dúvida alguma viviam dentro do código do dinheiro, mas ainda assim conseguiam conservar a sua decência."