Ronnie K. 18/08/2009
Estranheza e melancolia em situações insólitas!
Os contos do premiado e cultuado escritor norte-americano John Cheever (1912-1982), são impregnados de estranheza e melancolia. Há, por vezes, uma atmosfera nostálgica, que reverencia levemente tempos idos, mais natural e, de certa forma, mais românticos. Embora não exacerbado, percebe-se o conflito do homem provinciano diante da alucinada vida moderna. Cheever explora também a futilidade do homem da classe média alta, seu sufocamento pelo ócio, seu delírio (daí a atmosfera onírica), mas, sobretudo, o que vemos aqui é o desfacelamento do casamento: casais que se odeiam, rancorosos, a busca (frustrada em geral) por relações extra-conjugais. Há um desespero subjacente nos contos reunidos nesse volume.
Ainda que irregular em sua compilação é um livro muito bom que merece ser lido. Há contos fracos, é verdade; alguns confusos, outros injustificáveis e um ou dois que são apenas esboços de contos, sem um centro nervoso. Porém, dos treze aqui reunidos, há pelo menos 6 realmente marcantes, seja pela originalidade do tema, seja pelo brilho do estilo.
Se o Conto (enquanto gênero - esse espaço tão exíguo e limitado) requer um ponto de explosão fulminate, a exploração de uma idéia nova ou o que quer que seja de inevitável surpresa ou susto para justificar sua escrita, John Cheever pelo menos é mestre num desses aspectos: realmente, na maioria das histórias aqui reunidas seus personagens se envolvem em situações indubitavelmente insólitas! Nada previsíveis (Embora o desfecho em geral do conto 'cheeveriano' pode deixar a desejar!).
O mais impressionante e inesquecível conto da antologia, "O nadador" já justificaria a leitura do livro. Conto sombrio, misterioso e, sobretudo, tão triste e amargo quanto lembrar e rememorar em sonho algo muito bom que nos escapou para sempre. Destaque também para os contos "O natal é triste para os pobres" (inesperada arma contra a pieguice que o título sugere), "A quimera" (delírio libertador, em que se exalta o poder da imaginação como fuga à rotinas mesquinhas e opressoras), "O mundo das maçãs" (retrato comovido do conflito entre as belas e espirituosas realizações artísticas e o acachapante e poderoso desejo carnal que acomete um velho, laureado e solitário poeta), além de "O gatuno de Shady Hill" e "Percy". Esses são contos que abrilhantam o volume e testemunham o poder de Cheever como o grande contista que é considerado.
TRECHO (Do conto "A quimera")
"Minha mulher e eu vivemos muito mal juntos, mas temos três filhos lindos e tentamos tocar a vida para a frente. Faço o que tenho que fazer, como todo mundo, e uma das coisas que tenho que fazer é servir na cama o café da manhã de minha mulher. Tento preparar um bom café da manhã, porque deste modo às vezes consigo melhorar sua disposição de espírito, que normalmente é péssima. Certa vez, não faz muito tempo, quando cheguei com a bandeja, ela levou a mão ao rosto e começou a chorar. Olhei para a bandeja para ver se havia alguma coisa de errado. Era um belo café da manhã - dois ovos cozidos, uma porção de mil-folhas e uma Coca-Cola com um pouco de gim. É assim que ela gosta. Jamais aprendi a preparar bacon. Os ovos pareciam estar bom e os pratos estavam limpos; assim, perguntei o que havia. Ela retirou as mãos dos olhos - o rosto estava molhado de lágrimas e os olhos estavam fundos - e disse, com o sotaque típico dos Boysen:
- Não aguento mais ser servida na cama por um homem peludo de cueca."