Giliade 04/03/2014
O DESBOTAR DA VIDA!
Não escrevo faz tempo. Não escrevo sobre a minha vida, não escrevo sobre as impressões que o dia a dia vai causando e fazem com que cada segundo pareça mais desbotado que o anterior.
Em pouco mais de três décadas de vida eu já senti que o colorido foi perdendo parte de seu brilho, sobrando em algumas partes, faltando em outras, mas, como é de praxe, a vida parece ser uma obrigação necessária. Sem pausas. Ainda que o caminhar possa parecer lento em determinadas ocasiões e muito acelerado em outras.
Esse carnaval serviu, em especial, para que eu conseguisse dar um brilho nas partes que faltavam e apagar o que os outros carnavais haviam deixado. Pela primeira vez em quatorze anos eu tive um carnaval quase que inteiramente desprovido de obrigações. Tempo para ler mais, ouvir mais músicas, namorar mais, curtir mais cada parte da minha vida que foi parcialmente apagada; Tal qual a pintura de uma casa que se desgasta e precisa ser refeita, a minha vida também precisava. E foi.
Já faz algum tempo que tenho estabelecido um ‘namoro’ com a literatura brasileira, em alguns casos, como no excelente e obrigatório – “O frio aqui fora” do Cafiero -, senti o desejo de escrever uma resenha, tentando explicitar um pouco das sensações que o livro me causou. Por falta de tempo, na época, acabei deixando a emoção perder parte de sua força e, sem condições de abordar o mínimo possível de tudo que senti, deixei a oportunidade passar. Não cometerei o mesmo erro duas vezes.
Se o Cafiero me trouxe de volta a essa terra de contrastes, Carrascoza acaba de me sepultar. Se quiser parar a leitura a partir deste trecho, tens o meu aval. O que virá em seguida talvez seja exagerado demais para que você suporte.
Carrascoza, paulista de Cravinhos, entrou para o meu seleto grupo de autores favoritos e livros favoritos com o indescritível “Aos 7 e aos 40".
Tal qual sugere o título, o romance é contado de maneira simultânea, duas épocas distintas da vida do protagonista: aos 7 e aos 40. Na primeira fase: a vida difícil do pai; a paciência da mãe; a cumplicidade do irmão e dos amigos; o barulho dos pássaros do vizinho - um velho senhor que lutara na II Guerra Mundial; as lágrimas do pai que sabiamente o menino finge não ver para não envergonhá-lo. Na segunda fase: quando todas as impressões só parecem confirmar que a primeira não deveria ter acabado, as obrigações de pai, as responsabilidades que parecem maiores a cada ‘desbotar’ da vida. Carrascoza nos conduz a esse universo particular de maneira sutil, crescendo ou diminuindo o ritmo para que cada relato, cada linha escrita, tenha o peso que a vida atribui a cada escolha ou renúncia. É impossível não sentir uma certa agonia, um certo desespero a cada dobrar de página. De tão genial cada parte do livro pode ser lida de maneira independente, você pode intercalar ou não as fases – recomendo que se intercale.
Tudo em aos 7 e aos 40 é dual, como se, no fim, o autor quisesse explicitar que o preço cobrado pela vida para que a gente saiba exatamente sua força jaz na certeza de que a gente nasce mesmo é para perder, mas que, também, acaba ganhando.