jota 16/10/2021EXCELENTE - romance histórico narra a gênese da teoria da evolução através de dois personagens extraordinários: Robert FitzRoy e Charles DarwinLido entre 06 e 15/10/2021
Harry Thompson (1960-2005) escreveu esta única obra, cujo título original é This Thing of Darkness, retirado da peça A Tempestade, Ato V, Cena 1, de Shakespeare: “Esta coisa das trevas admito que é minha.” Citação que tem a ver especialmente com um dos personagens de Nos Confins do Mundo, o capitão do Beagle. O romance baseia-se em acontecimentos reais ocorridos entre 1828 e 1865, foi publicado em 2005 e concorreu ao Booker Prize, que teve como vencedor daquele ano O Mar, de John Banville. Tem como personagens centrais dois membros da aristocracia britânica do século XIX: Robert FitzRoy (1805-1865) e Charles Darwin (1809-1882). FitzRoy foi o capitão do HMS Beagle, brigue hidrográfico – embarcação de dois mastros, com velas circulares ou quadrangulares, sendo o maior deles inclinado para a popa – encarregado de pesquisar as baías e enseadas da Patagônia e da Terra do Fogo.
Na sua segunda viagem à América do Sul, iniciada em 1831 e que durou quatro anos e nove meses, o Beagle trouxe o então jovem estudante de teologia e aprendiz de geólogo Charles Darwin – anteriormente ele havia estudado medicina, curso que abandonou, como abandonaria também os estudos religiosos depois. Darwin inicialmente veio como convidado, apenas para acompanhar o comandante FitzRoy, mas depois acabou se tornando o naturalista da expedição em substituição a outro tripulante. O estudo da natureza era designado então como filosofia natural. Essa viagem mudou sua vida completamente, como sabemos, e resultou no polêmico livro A Origem das Espécies, que despertou a fúria de muita gente, principalmente de religiosos. Na primeira viagem à Terra do Fogo, iniciada em 1828, que é relatada nos capítulos iniciais de Nos Confins do Mundo, FitzRoy havia notado que quase não se viam idosos entre os fueguinos, os nativos da região.
Um jovem fueguino que os ingleses tentaram “civilizar” (e em parte conseguiram), Jimmy Button, personagem que realmente existiu, de modo natural esclareceu o capitão que no inverno seu povo passava muita fome e então comiam os velhos: “Mulheres comem braços; homens comem pernas.” Acrescentou ainda que alguns idosos tentavam fugir, mas, se conseguiam, acabavam depois morrendo de frio e fome. Apesar do espanto (e do nojo de alguns ingleses, pois essa conversa se deu durante uma refeição), FitzRoy prosseguiu. Disse que tinha notado também que havia muitos cães por lá e perguntou ao jovem porque não comiam os cães em vez dos velhos. Jimmy prontamente respondeu que cachorros pegavam focas, mas velhos não! Daí que o Daily Mail escreveu no lançamento do livro: “Esta recriação brilhante da viagem de Darwin e FitzRoy é – ao mesmo tempo – aterrorizante e engraçada. O episódio teve importância fundamental na nossa História e surge aqui com clareza extraordinária nas guinadas e tensões crescentes de um grande thriller.”
Falando mais de elogios, além de se transformar num best seller na Inglaterra, Nos Confins do Mundo recebeu da imprensa e leitores em geral inúmeras resenhas positivas. Na capa temos Bernard Cornwell, que escreveu: “...o melhor romance histórico que li. Uma obra-prima.” Depois tem o Daily Telegraph, que compara o volume aos romances náuticos de Patrick O’Brian e mais ainda. The Observer assinalou: “Abrangente e sedutor (...) um romance que todos se sentirão bem ao ler. Nasceu para ser best seller. (...) Uma narrativa agradável e pitoresca, enriquecida com fatos históricos e ideias filosóficas.” De fato, tanto FitzRoy quanto Darwin frequentemente estão expondo (discutindo talvez ficasse melhor) suas ideias religiosas e filosóficas enquanto vão vivendo, seja no mar ou em terra firme, inúmeras aventuras, tendo surpresas e fazendo descobertas; sobrevivem a perigos diversos e passam por situações pra lá de curiosas, que prendem a atenção do leitor intensamente.
O volumoso livro é dividido em seis partes e inicialmente trata de FitzRoy e de sua primeira viagem à América do Sul. As demais partes, já com Darwin a bordo do Beagle, narram com muitos detalhes a relação desenvolvida entre os dois homens. Revela mais profundamente a personalidade de cada um, suas concordâncias (algumas) e diferenças (muitas) em relação especialmente a questões religiosas, uma delas o dilúvio bíblico, discutido à exaustão. Depois o livro prossegue com outras informações sobre as atividades de FitzRoy e Darwin de volta à Inglaterra, acompanhando-os em diversos momentos de suas vidas; os capítulos finais tratam da morte de cada um e de outros personagens que fomos conhecendo ao longo da história. Thompson fez extensa pesquisa para escrever o livro e uma enorme bibliografia é apresentada no final desse magnífico volume. Magnífico e imperdível!