Tiago 25/03/2017
A REVOLUÇÃO COMO METÁFORA: AS TRÊS FACES DE UMA AMIZADE
Na Paris de 1789 a violência é justificada! Sua aparente amoralidade desaparece diante do novo significado que lhe é atribuído pela ideologia revolucionária. O resultado não poderia ser diferente de um quadro urbano violento, radical e intolerante; moldura perfeita para um romance histórico de tirar o fôlego. Em "A sombra da Guilhotina" a escritora Hilary Mantel narra os eventos por trás da Revolução Francesa a partir de três dos seus mais conhecidos artífices: Camille Desmoulins (jornalista competente e escritor talentoso), Maximilien Robespierre (figura idealista e dono de uma retórica afiada) e Jacques Danton (advogado provinciano e agitador sem igual). Trata-se de um imenso romance político recheado de traições, idealismos, paixões e diálogos empolgantes.
A intercalação da narrativa em primeira e terceira pessoa é apenas um dos inúmeros pontos positivos da obra. A autora utiliza a narração onisciente como amparo para interações verbais recheadas de ironia e sarcasmo, quebrando um pouco da formalidade dos romances escritos sobre a pressão da veracidade dos fatos históricos. A onisciência, e a forma como foi articulada, deixou a narrativa não apenas envolvente, e ágil, mas também artificiosa.
A revolução serve como pano de fundo para a relação de amizade dos três protagonistas. À medida que acompanhamos os primeiros anos de vida dos três jovens, consagrados pela historia graças à ousadia com que levaram a termo seus propósitos, vemos a Revolução se aproximar lentamente no rastro deixado por uma monarquia desestruturada e financeiramente arrasada. Passando pela infância e pela adolescência será logo nos primeiros anos da vida adulta que vemos a tensão se estabelecer no seio da relação de amizade entre eles. “Vejo o espinho da rosa. Nesses buquês que você me oferece.”, teria escrito Robespierre em um de seus poemas.
Mas nem só de protagonistas se faz uma grande obra. A grande quantidade de personagens do núcleo paralelo amadurece muito ao longo do texto. Lucile, esposa de Camile, uma espécie de personagem tampão e entediante no inicio acaba por finalmente conquistar seu espaço; Gabriele, esposa de Danton, vitima da fama de libertinagem de seu marido; a intempestiva Théroigne de Méricourt e o que dizer da inigualável Manon Roland, autodidata, dona de uma inteligência notável, leitora apaixonada de Rousseau e Plutarco, cuja infelicidade gerada por um casamento com um homem de idade avançada não a impediu de participar ativamente do contexto político de sua época. “Liberdade, quantos crimes se cometem em seu nome!” – teria dito diante da iminente execução na guilhotina.
Marat, personagem que a própria autora considera como seu “convidado especial”, devido a suas aparições ocasionais, protagoniza um dos momentos mais intensos de toda a obra: Ao propor o fim da imunidade parlamentar dos deputados ele buscava alargar as margens de atuação do Tribunal Revolucionário para o centro do cenário político.
O lendário verão de 1793 marcaria o fim da aparente unanimidade política, destroçada pelo peso implacável da institucionalização do Terror. É aqui que as divergências entre Danton, Robespierre e Desmoulins se manifestam no plano da política. A amizade, construída pela admiração recíproca, aos poucos se torna mais intensa, não pela afeição inicial, mas pelo medo justificado a partir do nascimento da rivalidade. Em síntese Hilary Mantel conseguiu demonstrar o poder devastador da polaridade como essência das relações humanas. A autora faz ressonância às palavras de Rousseau, pois assim como o rigor da matemática nasceu do caos e da falta de lógica, quase sempre são os bons sentimentos mal dirigidos que culminam com a implantação do mal. “São vocês, idealistas, que se tornam os maiores tiranos.” – profetiza Danton em dado momento.
Em meio à pseudo-realidade da soberania popular, impulsionada pelo peso das circunstancias, vemos a luta de três homens, cuja relação, edificada sob um passado regido pela monarquia, se desfaz numa luta desesperada diante da “justiça, imediata, severa, e inflexível” do Tribunal Revolucionário, tendo a paixão como arma e a Revolução como metáfora. Nenhum deles jamais ousou imaginar em seus anos de juventude que um dia veriam nascer a tão sonhada liberdade a sombra da guilhotina.
AUTOR: TIAGO RODRIGUES CARVALHO
site: http://cafe-musain.blogspot.com.br/2014/08/a-revolucao-como-metafora-as-tres-faces.html